Alguém já disse que envelhecer é uma dádiva. Muitos reclamam da velhice. Ou, exatamente assim: quem não envelhece, morre, como disse Dona Canô e quem envelhece, morre também. Não é uma repetição. É uma consequência.
Aliás, por que ao chegar aos 50, 60 anos é mais comum ouvir “puxa, mas você não parece ter tanto” (embora saibamos que nem sempre esse tanto e quanto se diz como verdade, mas por convenção social) do que ouvir que bom que chegou aí.
Deve ser triste envelhecer sombrio, sozinho, sem nada, sem amor, sem amigos.
Estou na casa dos 60 e nunca imaginei, mas quero ir bem mais. É bom chegar aqui. Nem todos chegam. Nem todos chegarão.
Envelheça vendo filmes, escutando música, indo aos shows, estudando, lendo, fazendo caminhadas, conversando com os filhos ou com os animais, eles são civilizados. Envelheça com bom humor.
Envelhecer pode até ser um sorteio, talvez um merecimento. E ao mesmo tempo é uma soma. É a vida. Sabedoria é dor, estou acostumado.
Envelheça, para nascer outra vez. Todo dia a gente morre e nasce nu e sagrado.
Envelheça longe do noticiário, nada vai espantar o mundo e seus mapas.
Comparado aos duzentos mil anos do ser humano sobre a face da Terra ou os quatro bilhões de anos da própria Terra, viver cinquenta ou setenta ou noventa pode até ser indiferente, principalmente hoje, com aceleradas doenças, invejas e gente que não pisa no chão. E, no entanto, somos uns. “Terra para o pé, firmeza, terra para a mão, carícia, outros astros lhe são guia”
Outro dia li um poema de George Popescu, ((nasceu em 1948 na Romênia) em “Caligrafia Silenciosa”, (obra completa) sobre a poesia. Para ele a poesia não deve mudar o mundo nem sequer melhorar a condição humana, tampouco ser uma alternativa, mas simplesmente uma poesia. Eu discordo.
Uma poesia, enfim, reflexiva a cada silêncio. Eu só quero sossego.
Às vezes procuro uma saída, um sinal, desse círculo do destino e me deparo com a ilusória escala que uma série de coisas que não tem menor valor, sequer pelo avesso.
A poesia tem a luz da Palavra filtrada, quando se encarna dentro de um verso que tangencia o divino, divino ou maravilhoso. Tanto faz. Muito mais, muito mais.
Enquanto me alegro, porque hoje é sábado e eu não sou do bando do “sextou”, outros dezembros virão. Que eu seja transversal como o tempo, invisível, ou melhor, até desconhecido, na minha. Eu só quero sossego.
O universo não seria como é e talvez nem existiríamos. Para existirmos, somos tão pequenos, que nem nos damos conta que envelhecemos, ficamos aborrecidos, doentes e somos inesperados.
Eu só quero sossego.
PS. A ilustração é de Sebastião Salgado
Kapetadas
1 – Quem mora na cobertura de um arranha-céus não é necessariamente uma pessoa elevada.
2 – A gente aprende, esquece, aprende e esquece, aprende e esquece. Até que um dia só esquece.
2 – Som na caixa: “A minha casa fica lá detrás do mundo”, Lupicínio Rodrigues.
MaisPB