Um estrondo e a escuridão. A Capela de Santo Antônio agora era um campo de guerra. O alarido, o desespero e as pessoas tentando achar os parentes ao lado.
Jogados pelo instinto de sobrevivência de minha mãe para debaixo do banco de madeira ficamos Hernon e eu atônitos. Eu não sabia se arregala ou cerrava os olhos. O que, naquele breu, não fazia qualquer diferença.
Horas antes, chegamos orgulhosos e com a melhor roupa para o casamento do ano. Uma senhora celebração que mobilizou Marizópolis. Todos queriam ver a noiva. Até pela fresta da janela. Naquela noite de friozinho e clima chuvoso ninguém poderia supor o que estava porvir.
Meu pai, pouco afeito a essas coisas, preferiu ficar em casa gastando as horas e a leitura na rede. Dona Chiquinha, a filha, a neta e nós – os bisnetos – seguiram para prestigiar a família e o matrimônio da prima. Tudo belo, bem decorado, prenunciava uma linda celebração.
Aura atropelada torridamente por temporal nunca testemunhado antes. As portas da igreja abriam e fechavam a cada trovão, entrecortado de relâmpagos. Cena de filme. De terror. E ninguém sabia se o melhor era sair dali ou se proteger do pior que poderia estar lá fora.
Choros rompiam. Soluços apareciam ao fundo. Feridos já gritavam suas dores. A luz da vela grande do altar, o único facho ainda aceso, também se foi. Minha avó sentiu a testa queimar. Ao levantar a mão até a cabeça, sentiu o sangue. Uma das priminhas da noiva levou na pele a marca daquele dia.
O teto da igreja voou. Era possível agora avistar o nevoeiro denso e cinza e o zumbido da ventania. Só não dava para ver Dona Chiquinha, minha bisavó, resgatada somente horas depois, e por acaso, a caminho da saída da cidade. Jurava que caminhava para se salvar em casa.
Lá, até a santa desabou. A imagem da Virgem balançou e acertou a testa de Zé Maria Madrid, único que, por sorte, premonição ou total indisposição social, evitou o vexame. Naldinho, meu tio, estava em Dedé do Bar e viu o telhado da parada de ônibus se dissolver no meio da rua. Foi ele quem socorreu a mãe até Sousa, também assolada pela tempestade e com hospitais lotados.
Novo dia. O sol iluminou os estragos e todos pelos becos só falavam uma coisa. Um casamento como aquele não poderia nunca dar certo, diziam. Homens e mulheres de pouca fé, pois Santo Antônio – o padroeiro – não se abalou provou sua fama de bom cupido. Ailton e Telma estão juntos e felizes até hoje. Choveu amor.