Loucos líricos (Por Hildeberto Barbosa Filho) – Heron Cid
Crônicas

Loucos líricos (Por Hildeberto Barbosa Filho)

24 de outubro de 2021 às 13h33 Por Heron Cid

Parece estranho, mas é verdade: sempre gostei dos loucos. Dos loucos de todo gênero, na curiosa classificação do caduco Código Civil de 1916, aquele mesmo que pôs Clóvis Beviláqua, Ernesto Carneiro Ribeiro e Rui Barbosa em acirrada e erudita polêmica em torno de bizantinas questões gramaticais.

Mas, como ia dizendo: sempre gostei dos loucos e não consigo conceber uma cidade, sobretudo se do interior, sem a presença deles. Cheguei mesmo a esboçar uma maluca tipologia de suas loucuras, origem, características, manias etc.

Alguns desses loucos, por exemplo, estão bem guardados na gaveta secreta da memória. Quando, por acaso, recordo suas figuras e figurações, rio, sozinho e em silêncio, tomado pelo calor inesperado das coisas que passaram.

Lá, de Aroeiras, minha eterna comarca, restaram-me dois tipos inesquecíveis: Miguel Maçula e Zé da Maleta.

Aquele adentrava, de supetão, as casas, gargalhando e correndo ninguém sabia por que, deixando todos assustados, principalmente a criançada; este, por sua vez, ruminava palavras estranhas, geralmente de queixa e acusação, como se conversasse com fantasmas.

Zé da Maleta tinha sido músico na mocidade e enlouquecera, era o que se dizia, porque sua mulher fugira com outro. Vindo de Bom Jardim, chegou em Aroeiras, vestido de caças curtas, carregando uma maleta. Daí seu apelido. Normalmente era calmo, mas virava uma fera quando os meninos mais atrevidos o chamavam de “Corninho da calça-curta”.

Não consigo esquecê-lo e à sua dor. Quando faleceu, eu não estava na cidade, mas me disseram que foi o maior enterro da terrinha.

E Biu do Violão, nas madrugadas boêmias de Campina Grande? Costumava repetir: “Cantor no Brasil, só Nelson Gonçalves e Roberto Carlos. O resto é paia!”. Dizem que o rei o recebia, com carinho, no hotel Ouro Branco, quando de suas estadas na Serra.

Da capital, me ficou Vassoura, cavalgando seu cavalo capenga como uma Quixote ressuscitada; Macaxeira, com seu carro imaginário, atravessando as ruas na velocidade do sonho e na direção do infinito e abismos existenciais, e Mané Caixa d`Água, (foto) de paletó branco, bolsa 007, a voz embargada de uma oratória tosca, delirante e autor destes versos quase ao “Se”, de Kipling: “Se as noites envelhecessem {…} se o mar geme se minha mãe se abruma ∕ Eu tenho nas minhas mãos somente sonhos”

Sempre gostei desses loucos. Na sua loucura pulsava decerto alguma veia de lirismo.

MaisPB

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