Fogo de monturo (A Crônica de Domingo) – Heron Cid
Crônicas

Fogo de monturo (A Crônica de Domingo)

26 de setembro de 2021 às 12h44 Por Heron Cid

Um olhar para um lado e outro. Ninguém por perto. Na calmaria do quintal, uma ideia. Que tal experimentar um risco de fósforo naquele amontoado de lixo no canto da cerca de vara?

E se o fogo subir? Que nada! É só apagar no começo. A aventura estava engendrada. Palito aceso e a mão se aproximando lentamente até o primeiro papel velho no chão misturado à coivara.

A magia da chama iluminou as faces daquela mente inquieta de pensamentos a mil. Ficou quase hipnotizado com o azul brigando com o vermelho vivo se contorcendo. Parecia cena de filme.

O aroma da queimada foi subindo como incenso, o clarão ia crescendo e o calor recomendando afastar-se da tocha já formada.

E agora? Hora de apagar! Uma, duas, três, quatro tentativas…A tensão tomou conta do corpo franzino e os olhos fumegantes vagavam entre as labaredas e a porta dos fundos de casa.

Sem muita alternativa, só restava sair de perto e se livrar dos rastros. Até onde aquilo iria dar? O fogo atacou a cerca e o incendiário pegou o beco.

Passou invisível por dentro de cozinha, sala e logo estava a caminho do campo de futebol de terra batida noutro bairro e mais rapidamente com companheiros de pelada.

Não sabia se olhava para a bola ou para a direção distante de onde tinha partido foragido deixando um problema para trás.

Nem demorou. Ao longe, viu incrédulo a fumaça mandando notícias das imediações da sua rua. O rosto ardeu, mas gelou corpo inteiro quando a turma toda começou a comentar.

De volta à cena do crime de pés descalços, e agora empoeirados, viu aflito a vizinhança ajudando a família a conter o incêndio que se alastrava entre quintais.

Baldes d’água, muita terra e alaridos apagaram o fogaréu. Não antes da devastação e da incineração das cercas de madeira sequíssima, um combustível eficiente para a bagaceira.

O pretume no chão e as brasas ainda acesas convidavam a conferir o tamanho do estrago. Da boca trêmula não saia nenhuma palavra. Suada e aflita, a mãe desabafou indignada:

– Quem diabos foi o infeliz que fez uma coisa dessas?

Olhando ao redor para os muros dos vizinhos, com ar de quem procurava os malignos suspeitos, ainda balbuciou com certa convicção:

– Sei não, mainha. Às vezes é quem a gente menos espera!

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