Temer gargalhou, mas Bolsonaro riu por último (Por Thomas Traumann) – Heron Cid
Bastidores

Temer gargalhou, mas Bolsonaro riu por último (Por Thomas Traumann)

18 de setembro de 2021 às 18h14 Por Heron Cid

Existe uma minissérie na Netflix chamada “How to get away with murder” na qual a soberba Viola Davis interpreta uma professora de Direito que ensina a seus alunos como defender acusados de homicídio. Como seria previsível, a própria professora e seus alunos terminam envolvidos em um assassinato e precisam usar seus conhecimentos para se livrar da cadeia (como acontece em geral, as primeiras temporadas são boas e depois o roteiro se perde). Nas últimas duas semanas, Jair Bolsonaro deu um master class de como se safar depois de ameaçar um golpe de Estado.

Jair Bolsonaro deu dois passos à frente e um atrás. Recuou, mas seguiu avançando. Depois de organizar no 7 de Setembro as maiores manifestações pró-ditadura em 50 anos, Bolsonaro descobriu que não tem, neste momento, força popular ou organização militar para intervir no Supremo Tribunal Federal. Ele foi no limite, apenas para voltar atrás à frente de onde estava antes.

Se Bolsonaro não tem hoje força para um golpe, as oposições igualmente não têm como defenestrá-lo do terceiro andar do Palácio do Planalto, não importa o que ele faça. Nos dias 8 e 9 de setembro, se não havia ainda uma maioria, estava se formando um movimento inédito pró-impeachment.

Os discursos duros dos ministros do STF Luiz Fux e Roberto Barroso, as movimentações de Gilberto Kassab e partes minoritárias do PSDB e MDB, a queda violenta das bolsas e as reações públicas de repúdio de líderes do PIB apontavam para uma pressão que o presidente da Câmara, Arthur Lira, não suportaria muito tempo.

O ex-presidente Michel Temer foi o inocente útil que interrompeu por ora o movimento do impeachment. Passada uma semana da conversa entre Temer e Bolsonaro, ainda há mais dúvidas do que certezas sobre o acordo que fez o atual presidente baixar o tom por alguns dias. Sabe-se que foi Bolsonaro quem telefonou no dia 8 à noite para Temer, mas que antes mesmo da ligação o ex-presidente já havia conversado sobre uma possibilidade de trégua com os ministros do STF Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.

A conversa pessoal no gabinete presidencial no dia 9 foi presenciada apenas por Carlos Bolsonaro, que deixou a sala quando Temer colocou Bolsonaro para conversar por telefone com Moraes. Na versão do Palácio do Planalto e do STF, este telefonema teria sido rápido e encerrado com a típica frase bolsonarista de que “nossas divergências são porque eu sou Palmeiras e você, Corinthians”. Segundo Temer, a conversa durou 15 minutos, o suficiente para muito mais do que constatações futebolísticas.

Deslumbrado com o acordo que manteve Bolsonaro quieto, Temer passou uma semana contando mais vantagem do que torcedor do Flamengo, para permanecer nas analogias da bola. Na terça-feira, um dos seus assessores aloprados divulgou vídeo de um jantar na casa do milionário Nagi Nahas na qual Temer e outros políticos e empresários paulistas riam às gargalhadas de um imitador de Bolsonaro. Na sátira, Bolsonaro era apresentado como um imbecil e Temer com um salvador da Pátria.

A cereja do bolo foi quando Temer telefonou a Bolsonaro para se desculpar pela divulgação do vídeo. “Estou acostumado”, teria dito o presidente. Temer gargalhou ao ver a imitação de Bolsonaro como um mentecapto, mas foi Bolsonaro quem riu por último.

Graças a Temer, a articulação da elite empresarial e política pelo impeachment morreu. No domingo, a falta de público nos atos anti-bolsonaristas convocados pelo Movimento Brasil Livre apenas comprovaram que só existem dois políticos capazes de encher as ruas brasileiros, Bolsonaro e Lula.

Nesta quinta-feira (16/09), a empresa PoderData divulgou pesquisa mostrando que mesmo tendo ensaiado um golpe, chamado um ministro do STF de canalha e incentivado que caminhoneiros bloqueassem as estradas, a popularidade de Bolsonaro não se mexeu: 65% dos brasileiros o consideram um presidente ruim e 29% o aprovam. Bolsonaro fez do 7 de Setembro um grande happening para os seus fanáticos, o Ustrapalooza na comparação do sociólogo Celso Rocha de Barros.

Dois dias depois, o presidente fingiu que nada havia acontecido, assinou uma carta de recuo da qual a única sincera é o nome e a data e saiu ileso. Nem na Netflix se viu algo parecido.

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