Dinarte Bezerra, professor do curso de Comunicação Social da UFPB, convida-me para participar de uma mesa redonda sobre Literatura e Erotismo, em seminário sob a sua coordenação. Pede-me para falar a respeito da “poesia erótica”.
Cá com meus botões, não gosto de adjetivos, quando se trata de nomear literatura, poesia, pintura, cinema, teatro, música, arte, enfim. A mim me bastam os atributos genéricos tradicionais, isto é, lírico, épico e dramático. Grosso modo, outras nomenclaturas me parecem inapropriadas e tendem a gerar distinções bizantinas e pontos de vistas arbitrários.
Poesia, poesia pura, não carece de qualificativos. Poesia é poesia, simplesmente poesia, e nada mais. Considero, portanto, um equívoco epistêmico se falar, por exemplo, em poesia negra, poesia infantil, poesia gay, poesia ecológica, macrobiótica, feminina, ou mesmo, poesia erótica, apelando, assim, para o grotesco de certas tipologias especificas e idiossincráticas.
Para mim, toda poesia é erótica, assim como todo erotismo é poético. Foi meu mestre Octavio Paz, que me alertou para isto, em belas passagens de A dupla chama: amor e erotismo. Octavio Paz vê o erotismo como uma “poética corporal”, e a poesia como uma “erótica verbal”. Ambos, fenômenos da existência humana, fundados na liberdade e na imaginação do princípio do prazer.
Quando afirmo que toda poesia é erótica, não me limito apenas ao estado poético que envolve o ser humano em múltiplas e variadas situações, sendo uma delas, principalmente, a experiência especial do erotismo. Erotismo que vai além, muito além, das exigências fisiológicas da sexualidade característica da energia instintual, ou da libido, como queiram, em suas esferas tão somente biológicas. Erotismo que imprime poeticidade ao calor dos corpos na ebulição amorosa e os circunda sob o manto do desejo e da fantasia.
Vivência exuberante no plano do prazer, sem qualquer vínculo produtivo, econômico e disciplinar, o erotismo, na sua prática aberta e criadora, se institui enquanto realidade poética, dotada, assim, de força imagética, de tonalidade rítmica e de nutrientes estimulantes, pois, no lago da rotina, abre-se uma clareira para a aventura, uma convocação para o êxtase.
Quando afirmo que toda poesia é erótica, penso particularmente nos processos expressivos que compõem a carne do poema. A bem dizer, o poema transfigura a linguagem verbal num corpo no qual as palavras ganham sabor, cheiro, cor, melodia e tactilidade. Suas camadas semânticas, sintáticas, fonológicas, visuais e pragmáticas como que copulam em posições não convencionais, atritadas pelo desejo de novas relações e pela harmonia orgástica que presidem organicamente este ato de amor.
Fazer o poema é gozar com as palavras e também glosá-las sob o prisma erótico que manipula o movimento cadenciado do verso. A escolha vocabular, a elaboração das imagens, a tessitura do ritmo, o recorte das pausas, acentos e cortes silábicos, tudo parece funcionar como um dicionário de carícias preliminares que culmina na fusão dos corpos e na unidade que abriga dois em Um. No caso, o poeta e a linguagem, numa espécie de androginia em que também se mesclam a ética e a estética.
Fazer o poema é, portanto, estabelecer um ethos e deflagrar, na alcova da linguagem, a secreta cerimônia do amor. Do amor e do erotismo. Por isto, toda poesia é erótica.
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