Todos os dias, estamos sem assunto para escrever. Graças a Deus! Quem, por vício ou por necessidade, tem tudo roteirizado na cabeça é robô. Os humanos… Somos feitos de carne e vácuo, e é no vazio de uma tela em branco do computador que uma visão, como uma estrela candente, risca o nosso cérebro de um lado ao outro e lá se instala, toda satisfeita. Em sendo estrela boa, fita o cronista e diz: “Observe-me.”
Foi o que aconteceu com aquela flor premida ao pé do banco de praça, suscetível às pisadas desgovernadas dos transeuntes da vida, que, para remoerem os pensamentos ou as agruras diárias, sentam-se naquele banco cinza, concreto solitário, e lá se põem a falar sozinhos, rir sem sentido, chorar as suas desilusões, uma lágrima caída ao pé de uma flor qualquer.
Flor qualquer, uma ova! Fitou-me com seus olhinhos capiongos, azuis de doer. Era mirrada e tinha o caule torto, retorcido sobre si mesmo, três pétalas apenas, duas delas meio carcomidas pelas solas de sapatos; a outra, porque se agarrara à esperança, era verde e viçosa, emaranhada na perna daquele banco, por onde, agarrada ao concreto morto, buscava o Sol.
Como eu estava naqueles dias em que a mente vagueia por todas as nuvens, sem encontrar algum carneirinho em que eu pudesse montar e escrever a crônica do dia, pus-me a imaginar umas baboseiras. Talvez eu devesse transferir aquela flor amarelo-ouro para outro lugar, onde a configuração para a vida estivesse plenamente satisfeita. Mas, não. O vazio da minha mente me questionou. E, se aquela flor fosse o testemunho da resiliência, a necessidade de ensinar aos passageiros da vida que o maior privilégio de viver é ser uma poesia feita de sonhos e resistência? Pois, foi assim que eu, observando as raízes profundas daquela flor, escrevi esta reticência cheia de nada e tudo.
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