Conta Álvaro Lins, num de seus artigos do “Jornal de Crítica”, que adquiriu um volume de “O canto da noite”, do poeta Augusto Frederico Schmidt, exclusivamente pela dedicatória, que considera “uma das mais belas e sugestivas”. Vejamos: “A Yeda – para que a poesia torne à sua origem”.
Devo esclarecer o leitor que essa é uma dedicatória impressa, portanto uma componente intrínseca da obra e não uma dedicatória manuscrita, específica de um único exemplar, para me valer da tipologia de Gérard Genette.
Que é bela e sugestiva, como afirma o crítico, ninguém duvida. A propósito, além de belas e sugestivas, há dedicatórias de todo tipo. Por exemplo: cavilosas e premeditadas, também chamadas, segundo Valdemar Cavalcanti, “dedicatórias-anzóis”. As expansivas e entusiasmadas, sóbrias e lacônicas, graciosas e solidárias, tristes e melancólicas, respeitáveis e admirativas, sarcásticas e furibundas, irônicas e delicadas, insinuantes e caprichosas, hipócritas e inconvenientes, prosaicas e poéticas. Enfim: falsas, honestas, humildes, escatológicas, vingativas, constrangedoras, sagradas e diabólicas.
Todas, no entanto, são sinais luminosos que podem clarear algum território escuro do texto ou da psicologia do autor, uma vez que carregadas de intensões significativas, morais e ideológicas. Dedicar uma obra, não importa a quem, a qual entidade, a que causa ou fenômeno, não é nada acidental. Corre, por dentro das dedicatórias, um veio subterrâneo de uma secreta eloquência dotada de sintaxe, morfologia e semântica peculiares.
Entre muitas que me chamam a atenção, considerado seu toque idiossincrático, lembro-me de três que podem perfeitamente se subsumir a uma que outra das classificações aventadas. São fortes, são singulares, são intensas, quer no entusiasmo, quer na fúria, quer na maledicência.
A primeira é a de Charles Baudelaire, dedicando “As flores do mal”, numa característica dedicatória cheia de reverência, laudadória e subserviente (quem diria!), nestes termos: “Ao poeta impecável. Ao mágico perfeito em letras francesas. Ao meu muito caro e muito venerado mestre e amigo Théophilo Gautier, com os sentimentos da mais profunda humildade, dedico estas flores doentias”.
A segunda é a de Machado de Assis, nas “Memórias póstumas de Brás Cubas”. Em tudo, uma pérola fúnebre, eivada de sarcasmo, ironia e tédio: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver, dedico, como saudosa lembrança, estas memórias póstumas”.
Por fim, a do iracundo paraibano Alfredo Pessoa de Lima, inserta no livro “Um juiz no Reino do Malaio”, cheia de raiva, rancor e ressentimento, com estas palavras escritas a fogo: “Ao infarto do miocárdio que matou Agamenon Magalhães”.
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