Ter posicionamento está na moda. As pessoas estão se posicionando e as marcas seguem a mesma tendência para não perder mercados. E não é para menos. Aproximadamente 79% dos brasileiros optam por marcas que expoem posicionamentos, seja político, social ou cultural, revelou pesquisa divulgada ano passado.
A pesquisa foi realizada pela Accenture Strategy, a “Global Consumer Pulse”, e apontou: 83% dos brasileiros preferem comprar de empresas de propósitos alinhados aos seus valores de vida, dispensando as que escolhem se manter neutras. O estudo ouviu 30 mil consumidores espalhados pelo mundo, sendo 1.564 no Brasil.
Os números refletem o que já vemos no dia a dia de muitas marcas. Em suas campanhas publicitárias, investimento em mídia ou em ações de marketing, empresas têm recorrido a expressar seus posicionamentos para se comunicar com seus públicos de forma mais assertiva.
Criando valores
Ao agirem dessa forma, as marcas não só endossam como até criam valores sociais. Por isso, contam com um público consumidor cada vez mais atento, disposto não apenas a deixar de comprar, caso esses valores sejam diferentes dos seus, mas a boicotar e fazer campanha contra.
Esta semana, Magazine Luíza, MRV, Hapvida, Tim, Nívea e Ford deixaram de anunciar no programa Alerta Nacional, da Rede TV, após o apresentador Sikêra Jr. ter verbalizado comentários homofóbicos e discriminatórios sobre uma campanha da rede de fast food Burger King para o dia do Orgulho LGBTQIA+ (celebrado em 28 de junho).
Nas redes sociais, pessoas de todo Brasil se posicionaram sobre a campanha. Alguns aplaudiram, outros condenaram, chegando a dizer que não voltariam a consumir produtos comercializados pela multinacional.
Entretanto, o Sleeping Giants – movimento contra o financiamento do discurso de homofobia nas redes sociais – foi um dos promotores da tag #desmonetizeSikera. A ação cobrou das marcas anunciantes um posicionamento sobre as declarações do apresentador, levando as empresas a romperem contratos com a emissora.
Na política
As marcas também têm se expressado cada vez mais com assuntos voltados ao meio político. Não era para ser, mas um exemplo latente aconteceu com os patrocinadores da Copa América. A competição sediada no Brasil após a recusa de dois países por conta da pandemia do coronavírus gerou grande polêmica e dividiu opiniões, deixando à defesa do torneio associada aos apoiadores do atual presidente Jair Bolsonaro.
Com isso, consequentemente, os anunciantes acabaram seguindo na mesma linha. Mastercard, Ambev e a fabricante de bebidas Diageo (dona das marcas Johnnie Walker e Smirnoff) decidiram não expor suas marcas durante o torneio.
Contudo, o SBT, emissora detentora dos direitos oficiais do evento na TV Aberta, fechou patrocínio para a transmissão da Copa com a Betfair.net, CSN, Restaurantes Madero e Havan. Esta última é uma das marcas brasileiras que mais tem se destacado no posicionamento político público.
A rede varejista é comandada pelo empresário Luciano Hang, um dos maiores apoiadores de Bolsonaro na presidência da República. Hang chegou a suspender os contratos de publicidade com a Rede Globo, por não compactuar com o que ele chamou de “jornalismo ideológico” da emissora.
Já a cervejaria Rio Carioca tem aproveitado o cenário político nacional para se comunicar com o seu público expressando posição contrária à defendida por Hang. A marca de cervejas tem feito sucesso nas redes sociais com propagandas que ironizam o atual governo. “Se for para comemorar o golpe de 64, por favor, não tome Rio Carioca”, ironizava uma peça veiculada em março. A mais recente provoca: “Peça cerveja Rio Carioxin. Muito sabor e zero propina”.
Compromisso além do mercado
A verdade é que, nos últimos tempos, com a pressão pública impulsionada pelas redes sociais, as marcas foram encorajadas ou intimadas a tomar partido em discussões das mais diversas. De certo modo, é uma maneira de dizer que seus compromissos vão além do mercado. São compromissos com a sociedade.
Apesar dos números da pesquisa expostos aqui e desse movimento sobre a comunicação das empresas, especialistas em comportamento do consumidor ainda acreditam que, na hora da compra, as pessoas ainda levam mais em conta suas preferências particulares sobre o produto e as questões de preço, do que o posicionamento da marca.
Pode até ser que, em linhas gerais, essa ainda seja a conduta predominante, mas por tudo que observamos dificilmente os consumidores não estarão elegendo os posicionamentos como um diferencial. Vale lembrar que qualquer manifestação política, cultural ou social só fará sentido se estiver de acordo com os princípios e valores praticados pela marca. E claro, quando for uma iniciativa legítima.
*Marly Lúcio é jornalista pela UFPB, com MBA em Marketing pela FGV. Foi secretária de Comunicação e de Ciência e Tecnologia do município de João Pessoa. Sócia-diretora da Múltipla Comunicação Integrada, empresa especializada em gestão de imagem e assessoria de imprensa.
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