A roda do infortúnio tem dessas ironias: quis o destino que o presidente que tanto feriu a realidade combatendo a vacinação no combate à pandemia, fosse ferido justamente por uma vacina. No caso, a indiana Covaxin.
Nem no cenário mais pessimista para os governistas e otimista para os oposicionistas se desenhava o quadro com o qual o Palácio do Planalto se depara agora na CPI da Covid-19: a apuração de fortes indícios de corrupção da compra de imunizantes. O inesperado, realmente, fez uma surpresa para investigadores e investigados, cujo propósito era desviar o foco para ocorrências de ilícitos nos governos estaduais e prefeituras.
Quando da denúncia dos irmãos Ricardo e Luís Miranda, este deputado e aquele chefe do setor de importações do ministério da Saúde, sobre graves irregularidades no contrato e pressões para a liberação da compra, estava claro que ou o governo tinha uma boa história para desmontar as suspeitas ou o presidente Bolsonaro estaria no centro de um escândalo capaz de pôr em risco seu mandato.
Pois vão se completando dez dias desde que o caso veio a público e o governo não foi capaz de contar uma história convincente para derrubar a denúncia. Ao contrário: quanto mais falam o presidente e auxiliares, mais o governo se enrola.
Jair Bolsonaro disse que a CPI tem “sete pilantras”, que não vão tirá-lo do poder no tapetão, que a acusação é o último recursos dos adversários, que no governo dele não há corrupção, que a denúncia é vazia porque nada foi pago ao contratado, que mandou a Polícia Federal apurar o caso (na versão dele, inexistente) que os denunciantes vão “se dar mal”.
Disse tudo isso, mas não explicou por que a pressa na assinatura do contrato, por que não se tentou negociar a redução do preço superior a qualquer outra vacina, por que aceitar a intermediação de uma empresa cujos sócios já haviam dado um calote de R$ 20 milhões no ministério da Saúde, por que não houve reclamações à Precisa Medicamentos pela não entrega até agora das vacinas contratadas em 25 de fevereiro e por que manteve na liderança do governo na Câmara o deputado Ricardo Barros, apontado – de acordo com os irmãos Miranda – pelo próprio Bolsonaro como operador de “rolos” na pasta da Saúde.
Se conseguir explicar tudo isso de maneira convincente, o governo pode se sair bem. Se não, fará companhia ao PT no panteão dos grandes escândalos de corrupção que assolaram a nação.
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