A começar pela Proclamação da República, em 1889, os golpes liderados por militares são uma tenebrosa tradição na política brasileira. O último, em 1964, assegurou aos golpistas 21 anos de poder, em meio a uma repressão que perseguiu, prendeu, torturou, exilou e assassinou milhares de brasileiros.
Sua Excelência, o presidente da República Jair Bolsonaro, está planejando um golpe? Não iria contra seus princípios. Ele é defensor do Golpe de 1964 e da ditadura; homenageou torturador no plenário da Câmara dos Deputados e sempre ameaça recorrer “ao meu Exército” para pressionar adversários. Motivos para golpear Bolsonaro também teria, ou seja: garantir, por todos os meios, a sua permanência no poder, se necessário sobre os escombros da Constituição. No entanto, contará Sua Excelência com os instrumentos e os seguidores para mobilizar corações e mentes? Nesse ponto, as opiniões divergem.
No Brasil, golpes bem sucedidos são dados pelos militares ou com o apoio deles. No momento, ao que se sabe, a quebra violenta das regras democráticas, para dar um poder ditatorial a Bolsonaro, não os estimula a sair dos quartéis. Além do mais, uma decisão dessa envergadura teria por consequência uma fratura nas Forças Armada, que poderia levar a uma tomada de decisão o oficialato profissional, defensor do respeito à Constituição. A fratura poderia ainda ser aprofundada por atos de flagrante indisciplina sem punição – como o praticado pelo general Eduardo Pazuello – inocentado por ordem do presidente – sob os aplausos de oficiais bolsonaristas.
A pressão de Bolsonaro para que Pazuello – seu ex-ministro da Saúde – fosse inocentado pelo Exército repercutiu mal nas Forças Armadas, da mesma forma que a demissão simultânea dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, em março passado, vistos pelo ex-capitão como suspeitos de não estarem se empenhando no seu projeto de reeleição.
A gravidade e a ousadia da decisão presidencial expressam com clareza até onde Bolsonaro pode ir para tentar vencer em 2022. O profissionalismo de um segmento militar não será obstáculo; a minoria no Congresso não será obstáculo; a oposição sempre dividida não será obstáculo; o grande empresariado, sempre pronto para acertos, não será obstáculo.
Quem será obstáculo ao plano ditatorial de Jair Bolsonaro? Todos nós: os que lutaram pela anistia; pelas eleições diretas; pela volta dos militares à disciplina dos quarteis; os que votaram uma nova Constituição; venceram uma hiperinflação e, 35 anos depois da volta da democracia, estão prontos para mais uma vez defendê-la.
Defendê-la, em primeiro lugar, do medo que os golpistas tentam disseminar, com suas redes de ódio, milícias armadas, autoritarismo, demofobia e aversão ao diálogo. E devem reunir nesse esforço os que rejeitam o retorno aos porões dos anos de chumbo, quando a liberdade era apenas uma esperança. Todos são bem vindos, civis e militares. Entre os oficiais profissionais cresce a consciência do buraco que o desgoverno de Jair Bolsonaro está cavando na imagem institucional das Forças Armadas. Disso o desastre da gestão do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde é o mais recente e trágico exemplo.
Um pronunciamento público de lideranças militares terá o poder de paralisar um surto golpista de Jair Bolsonaro? Impossível prever. Caso se confirmem suas possibilidades de vitória – e elas existem – no próximo ano Sua Excelência não vai recuar. Ele conta com um terço do eleitorado e bolsonaristas infiltrados nas polícias militares de todos os estados, que podem ser mobilizados, à revelia dos governadores.
Vamos à luta. A defesa da democracia no Brasil sempre exigiu muito de muitos. Continuará sendo assim, em nome dos nossos filhos e netos, que merecem um país melhor. Nunca fomos covardes. O medo do golpe só serve aos golpistas.