Semana passada a grife de roupas Farm protagonizou uma grande crise de imagem ao tentar desenvolver uma ação com cunho “social”. A marca anunciou que doaria parte do lucro das vendas dos seus produtos adquiridos com um código específico para a família da colaboradora Kathlen Romeu. A jovem de 24 anos, negra, grávida, faleceu na cidade do Rio, na semana passada, vítima de tiros que teriam sido disparados por policiais, em circunstâncias ainda não elucidadas.
A morte de Kathlen comoveu o país. Trouxe a discussão os problemas do racismo e violência urbana. Rapidamente, a empresa criou a ação e divulgou nas redes sociais. “A partir de hoje, toda a venda feita no código de Kathlen – E957 – terá sua comissão revertida em apoio para sua família (…)”, dizia o texto.
Pessoas de várias partes do país encheram os comentários das postagens com críticas. Algumas sugerindo que a empresa destinasse o total dos recursos das vendas com aquele código para os familiares da jovem. E assim, a marca prosseguiu. Anunciou que reverteria “integralmente” 100% das vendas geradas através do código naquele dia para a família de Kathlen.
As críticas não acabaram.
Pudera! A “ação social” proposta pela Farm tinha o foco na venda dos produtos. O gancho? Ah, o gancho… apenas aproveitar a sensibilidade das pessoas diante uma tragédia e promover uma ação prontamente comercial. E olhe que os produtos da grife não são tão acessíveis.
A Farm integra o Grupo SOMA, dono ainda de outras grifes famosas no setor de vestuário. A lista: Animale, Fábula, Maria Filó e, mais recentemente, a Hering, adquirida pelo grupo por R$ 5,1 bilhões. É com esta última que a companhia inicia a sua entrada no segmento de moda a preços mais modestos.
Esse caso nos chama a várias reflexões. Dentre tantas, proponho aqui pensarmos sobre o comprometimento das empresas com causas sociais. É cada vez mais comum que organizações de vários tamanhos e segmentos se envolvam em projetos e criem iniciativas com esse viés. Vemos empresas preocupadas com tudo: com questões ambientais, causa animal, diversidade sexual, igualdade racial, combate à fome, promoção de cultura e arte…
Mas, será que essas são motivações reais? Legítimas de companhias que reconhecem a necessidade de contribuir com a melhoria do planeta e das relações humanas e que agem assim porque percebem que também têm responsabilidades com a construção de um futuro orientado às melhores práticas sociais e ambientais? Ou trata-se de um mero esforço de posicionamento para figurar como campanha de marketing?
Levadas por essa crescente “onda”, muitas empresas ansiosas por comunicar a sua inserção em práticas inclusivas e sustentáveis, podem estar entrando em uma verdadeira furada.
Sem planejamento ou comprometimento real com os temas, algumas marcas fazem esforços superficiais para estarem incluídas em um grupo minoritário. Contudo, no dia a dia, o discurso não se sustenta na prática. Os porta-vozes não estão alinhados com o tema, a estrutura, o perfil da equipe, a remuneração, o atendimento ao cliente, a escolha dos fornecedores são todos contraditórios ao que se propaga.
O resultado é o comprometimento da reputação e das vendas.
Portanto, antes de se envolver em qualquer tipo de ação ou projeto com esse tipo de pegada, é preciso avaliar prioritariamente se a causa proporciona conexão com o negócio. Se são valores reais de quem faz e de quem consome os produtos ou os serviços. Senão, não transmite verdade. E se não é de verdade, a probabilidade de não dar certo é alta. Mirem-se no exemplo…
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