Quando ingressei no Jornalismo, no início dos anos 80, tomei um baita susto quando fiquei, pela primeira vez, diante de Marco Maciel, que Deus levou, hoje, aos 80 anos. Vindo de uma região de nanicos, o Sertão, o susto se deu pela magreza dele, pescoço de ganso. Só mais tarde soube do seu apelido: Mapa do Chile, o mais estreito e fino do mundo.
De todos os políticos brasileiros, Maciel é o que está mais entrelaçado em minha carreira. Foi ele que conseguiu meu primeiro estágio em Jornalismo, quando governador, através de convite formulado pelo secretário de Imprensa, jornalista Ângelo Castelo Branco. Foi com ele, igualmente, que descobri o Brasil do Oiapoque ao Chuí. Candidato à Presidência da República em 84, pelo famigerado colégio eleitoral, fui seu repórter viajante.
Cumpríamos uma extensa agenda nos Estados, com um detalhe: católico fervoroso, daqueles que não perdiam uma missa domingueira, Maciel iniciava os contatos como candidato ao Planalto com uma visita ao bispo local. Em Belém, falhei na visita à Diocese porque havia caprichado na vida mundana, na noite anterior.
Já no avião, no percurso para outro Estado do Norte, Maciel fez uma cobrança elegante, como era do seu estilo, um homem de trato fino, educado: “Magno, sei que você é sertanejo e sertanejo acorda cedo. Por que você não esteve na visita ao bispo?” A razão, evidentemente, não pude contar. Afinal, envolvia uma saia paraense.
Maciel não dava esporro, mas também não deixava passar em branco o que não lhe agradava. “Pois, Magno, perca tudo em minha agenda, menos a visita ao bispo.” Fiquei sem saber onde enfiar a cara pálida. Com Maciel, andei, também, o Estado inteiro, ele como governador, eu repórter do SIP – Serviço de Imprensa de Pernambuco.
Nunca vi um político tão disposto, vivia do trabalho e para o trabalho. Homem honrado, nunca se meteu em nenhum tipo de deslize ético. Nunca seu nome apareceu em escândalos. O que se diziam dele, do ponto de vista de ataques, se restringia a sua relação com os militares, sua ideologia de direita.
Marco, de fato, foi governador biônico, nomeado por Ernesto Geisel, mas entre ser de direita, conservador ou servil, e corrupto, como grande parte dos políticos brasileiros de hoje em dia, há uma distância muito grande. Maciel não roubou, nunca aceitou propina, sua mulher, Ana, nem sequer andava em carro oficial.
Marco nasceu em berço de ouro, estudou nos melhores colégios, se formou em Direito pela referencial Faculdade de Direito de Pernambuco. Devorador de livros, a começar pela Bíblia, que lia no avião, Maciel adorava Joaquim Nabuco, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. “Minha formação”, de Joaquim Nabuco, vivia na cabeceira da sua cama, era por ele indicado como uma leitura imprescindível.
Mais na frente, já em Brasília atuando em jornais, minha relação com Maciel sofreu um hiato. E, para variar, também briguei com ele, num episódio que o vi perder a elegância. Não gostou de uma matéria minha no Correio Braziliense na qual seu nome estava incluído entre os integrantes da tropa de choque do ex-presidente Collor.
Ficou dois anos sem falar comigo. Perdi a confiança dele, mas não o respeito e a admiração. Há 40 anos no jornalismo político, convivendo com os mais variados personagens da fauna politica brasileira, confesso que Marco Maciel era um político diferenciado. A vida pública, para ele, era um sacerdócio, grande devoção. Vivia para servir, sem servir-se dos cargos.
Célebre poeta espanhol, criador do Dom Quixote, o segundo livro mais lido no mundo depois da Bíblia, Miguel de Cervantes dizia que a formosura da alma campeia e denuncia-se na inteligência, na honestidade, no reto procedimento, na liberalidade e na boa educação.
Este era Marco Maciel!
Blog do Magno Martins