Sejamos sensatos. A última coisa que o Brasil precisa neste momento em que estamos, efetivamente, iniciando um novo período de recrudescimento de casos da coronavírus é um movimento de aglomeração de milhares de pessoas, sob o argumento de protesto contra o comportamento do presidente Jair Bolsonaro.
Sejamos honestos. A partir agora com que moral os dirigentes dos partidos de esquerda e movimentos sociais têm para criticar o presidente quando ele aglomera em suas visitas às cidades? A partir deste sábado, uma boa parte da esquerda brasileira se nivelou presidente do quesito aglomeração irresponsável.
Sejamos coerentes. Podemos, depois dessas manifestações, cobrar ações do governo federal e estaduais e municipais quando eles não atuarem nas restrições e permitem que esse tipo reunião privado ou publica ajude a espalhar a covid-19?
Certamente que não.
Assim como não é aceitável, sob qualquer argumento, que a Polícia Militar de Pernambuco tome, como tomou, atitudes irresponsáveis que perpetrou no Recife contra os manifestantes disparando balas de borracha, bombas de gás e spray de pimenta. Demostrando não apenas falta de controle como de comando institucional. E essa atitude merece igualmente severas críticas.
Diante de tão inconsequente comportamento da tropa, a pergunta que se segue é: Porque o governador Paulo Câmara, num momento de tensão como o país vive, hoje, e onde o presidente da República o ataca no STF, não acompanhou de perto a manifestação e a ação da Polícia Militar na operação? Mesmo sabendo que o Ministério Público desaconselhou a aglomeração?
Com a estupidez de um protesto contra as 460 mil mortes e mais de 16 milhões de infectados produziu-se, também aqui no Recife, um espetacular arsenal de argumentos para que nas próximas semanas o presidente possa nivelar seus argumentos aos dos manifestantes em ao menos um argumento: o da aglomeração.
Ah, poderão justificar os idealizadores e apoiadores. Fizemos manifestações com distanciamento, distribuímos álcool gel, e estávamos todos de máscaras. As imagens falam por si contra tudo que o país vem fazendo nesse sentido.
Certamente os dirigentes das entidades estão neste momento exultantes. Calculando que, espontaneamente, foi possível colocar milhares de pessoas a mais que os apoiadores de Bolsonaro. E alguns vão justificar: não podemos ficar parados enquanto o presidente e seus apoiadores fazem passeatas, motociatas e carreatas. Não podemos! E não devemos!
É preciso não achar que esse tipo de atitude ajuda no combate o governo errático como o do presidente brasileiro. Não ajuda e dificulta a consolidar, na sociedade brasileira, o sentimento de que enquanto não tivermos vacinados, ao menos 60% da, não podemos cair na tentação de tentar medir forças. Não é hora e nem as ruas é o lugar neste momento.
É um desrespeito a milhares de trabalhadores que, neste sábado e domingo, foram obrigados a ficar em casa para não aglomerar.
É um desrespeito a motoristas e cobradores que não podem deixar de trabalhar e são obrigados a dirigir ônibus lotados.
É um desrespeito a todos os profissionais da saúde quem precisam enfrentar a covid-19 em condições de estresse e inseguranças há mais de 15 meses.
Mas tem gente que achou “muito legal” poder voltas as ruas, empunhar bandeiras e gritos contra o presidente. Pode ter sido, mas isso custou a muita gente que trabalha sério a legitimidade de ser crítico dos equívocos do governo.
O Brasil até agora, por irresponsabilidade do governo Jair Bolsonaro, só conseguiu vacinar 20% de sua população com a primeira dose e 10% com a segunda. Pensar que isso permite as aglomerações como a que assistimos neste sábado só tem uma definição: irresponsabilidade.
Não devemos ter ilusões. A partir de junho, vamos enfrentar uma terceira onda de contaminações que vai partir de um patamar nacional acima de 2 mil mortes dia e de 60 mil contaminações/dia. Nada, absolutamente, na justifica sair às ruas quando os governadores lutam para tentar controlar a propagação.
Não há nenhuma razoabilidade para justificar ir às ruas para criticar a irresponsabilidade do governo praticando os mesmos atos que ele faz em detrimento da proteção da vida.
Nos países onde a vacinação avançou, a vida voltou quase ao normal. Neles haveria, portanto, espaço para algum tido de manifestação política. E ao que se tenha notícia, elas ainda não aconteceram. Mas no Brasil a irresponsabilidade juvenil de alguns líderes políticos nos proporcionou um belo espetáculo de aglomeração.
Os adeptos mais radicais do governo Bolsonaro estão comemorando. Parte da esquerda lhe deu uma sobrevida para incendiar suas atitudes contra todo esforço de médicos, enfermeiros, profissionais de saúde e dos estados e municípios tentando reduzir a propagação do vírus. De graça nas ruas e com terabytes de vídeos e imagens.
Eles com um extraordinário esforço e recursos não conseguiriam tanto. Na ânsia de voltar festivamente às ruas, a esquerda se nivelou ao radicalismo dos seguidores de Bolsonaro e isso é muito ruim para quem trabalha desesperadamente para combate o coronavírus e tentar ter esperanças de voltar à normalidade.
A estupidez é irmã gêmea da burrice e, às vezes, tão contagiosa na política como uma variante do coronavírus.
*Jornalista. Titular da coluna JC Negócios, do Jornal do Commercio