O trajeto da pedra passou em câmera lenta. Quando passei a mão, senti algo quente escorrendo no quengo e gelei. Mais ainda ao sentir o cheiro forte e ver o vermelho entre os dedos. Fiquei branco.
De súbito, o alvoroço e a meninada correndo para conferir. Em segundos, Hernon, o meu irmão e dono da pedrada, sumiu. O motivo era banal. Ele queria de volta uma bolinha de mão – capturada por mim.
Agora, a casa da Rua Ana Rocha, número 18, tinha dois problemas ao mesmo tempo. Um menino com a cabeça arrombada e outro desaparecido.
Sem pistas, o aviso ganhou as ruas pelos graves de Carlos Alexandre – a voz possante do único serviço de alto falantes de Marizópolis à época.
Enquanto à procura do filho de Marizete mobilizava a vizinhança, eu tremia no Hospital Santa Terezinha com medo de costurar a cabeça. Pensava na agulha e nos pontos entrando nos couros. Nem precisou. Para estancar o corte superficial, bastou um curativo. Alívio para o molenga.
De volta, encontramos o cenário que deixamos. Ninguém sabia o paradeiro do ‘traquino’ da pedrada. De vítima, passei a me penalizar pelo sumiço. Onde uma criança estaria aquela hora noite adentro?
Tinha se embrenhado nos arredores da Vila Nova? Abrigou-se às margens do açude de Zé Carolino? Como aquele moleque sobreviveria na madrugada sob o risco de ser picado ou atacado por bichos?
Até que o alarido interrompeu a apreensão e o silêncio das interrogações. Tico, vizinho mudo de nascença, balbuciava alguma coisa de um dos quartos. Só dava para ouvir “Non, Non, Non”!
Todos correram ao mesmo tempo. Lá, o improvável caçador apontava para debaixo da cama como o descobridor do tesouro perdido. Espremido entre poeira e teia de areia, um Hernon suando em bicas e de olhos arregalados.
O fugitivo estava, finalmente, localizado. Naldinho, meu tio, um dos que havia feito buscas por toda a parte, ralhou:
“Você ainda vai fazer isso de novo, com seu irmão, seu cabra?
Ouviu de um desconfiado, porém firme menino, uma inusitada resposta com língua presa:
“Se ele tomar minha boinha de novo…”!
Com a cabeça enfaixada, até eu caí no riso. E Tico – nosso mudinho falante – também!