A cada plantão de doze horas, em dias alternados, Mônica Calazans entrava de frente a uma roleta russa no Instituto Emílio Ribas, destino de pacientes graves da covid-19, em São Paulo.
Obesa, hipertensa e diabética, a enfermeira de 54 anos tinha todos os motivos do mundo para temer o próprio trabalho e o iminente risco da contaminação.
Pelas comorbidades que carrega, ela é do grupo de risco e o contágio uma ameaça de morte.
Negra, mulher, corinthiana, moradora da zona leste da capital paulista, viúva, mora com um filho de 30 anos e cuida da mãe de 72.
Formou-se em Enfermaria já na maturidade. Só aos 47 anos obteve o seu diploma.
Escolheu atuar num centro especializado em infectologia mesmo sabendo que estava indo para um dos epicentros da pandemia.
A primeira mulher vacinada contra a covid no Brasil tem a cara do brasileiro. Dos que que não desistem nunca.
Gente que gosta de gente, acima de tudo em contrário, acima de todos os desestímulos.
Assim como Jéssica Pires de Camargo, 30, a primeira vacinadora da covid-19 no Brasil. Por suas mãos já passaram milhares de doses em campanhas do SUS.
Sua vida e carreira ficaram profundamente marcadas neste domingo em que o país viu, enfim, a aprovação da tão ansiada vacina.
Neste dia tão emblemático, Mônica e Jéssica não são só elas.
São a afirmação da razão, da ciência, do voluntarismo, do sistema público de saúde, da empatia com a dor e luto alheios. São a vacina contra a negação, a indiferença e insensatez que contaminaram boa parte da Nação.
São luzes de esperança num túnel que se fechou para mais de 200 mil compatriotas.