(Brasília) – Desde o batismo no mandato, por evangelização autoritária, Jair Bolsonaro ensaia destruir a democracia e sequestrar órgãos do Estado para doutriná-los como um bem particular ou familiar, notadamente os confessionários de inteligência, como Abin, Receita e PF. As pregações antidemocráticas renderam acusações por crimes de responsabilidade e comuns, puníveis com o impeachment. Há mais de 50 deles descrevendo os pecados totalitários do capitão.
Os demônios de inspiração nazista têm sido exorcizados pelo Supremo Tribunal Federal e apenas observados por outros burocratas da democracia, impassíveis. Os cultos abusivos se repetem e vão sendo testados e modulados. Após os exorcismos institucionais as estratégias passam por mutações, mas jamais foram abandonadas. A cada dia que passa vão abrindo novos porões no inferno. Estados de exceção são construídos na repetição de excepcionalidades.
A Constituição Federal é objeto de muitas críticas procedentes, mas ela é um santuário virtuoso da democracia e do antifascismo. Todos os sacrilégios tirânicos encontram excomunhões na Carta Magna. Os crimes de responsabilidade são todos os comportamentos que atentam contra a existência da União, o livre exercício dos demais poderes- inclusive MP-, contra a segurança interna, a probidade administrativa, a lei orçamentária, o exercício dos direitos individuais e coletivos e o descumprimento de decisões judiciais. Em outro artigo a Constituição relaciona os cinco mandamentos sagrados da administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Jair Bolsonaro já blasfemou contra boa parte desses princípios, senão todos.
As primeiras investidas foram despudoradas e convocaram explicitamente uma quartelada para fechar o Congresso Nacional e o STF. No final de maio, em frente ao QG do Exército e em outras quatro manifestações na Esplanada ou no cercadinho, o sacerdote totalitário do clã escancarou a virada de mesa. Eduardo Bolsonaro, chamado de “bananinha” pelo vice-presidente, pontificou que a ruptura não era mais uma questão de “se”, mas de “quando”. O pai apostolava um incompreensível “acabou, porra” e que estava chegando a hora de tudo ser recolocado nos “devidos lugares”.
Foi respaldado por Augusto Heleno, um herege da democracia. O sermão golpista do eunuco só silenciou depois da cana de Fabrício Queiroz, o Gregório Fortunato dos Bolsonaros. Um arquivo vivo.
O cântico totalitário começou a se metamorfosear a partir daí. Não mais o golpe explícito, clássico, mas o sequestro sorrateiro do Estado, misturando pecaminosamente o público e o privado. No êxodo de Sérgio Moro, o ex-ministro praguejou contra Bolsonaro acusando-o de aparelhar politicamente a Polícia Federal para proteger aliados e, principalmente, o primogênito, Flávio Bolsonaro, cujo envolvimento com criminosos é diabólico. Depois de controlar a PF/RJ, o capitão tentou emplacar Alexandre Ramagem, tira amiguinho da família, na prelazia da Polícia Federal. Foi desautorizado pelo ministro Alexandre de Moraes do STF. O apadrinhamento do tira camarada feriu o princípio sacro da impessoalidade. O tal Ramagem continuou chefe de outra paróquia estratégica, a ABIN, sucedânea do funesto SNI.
Na cronologia dos pecados fascistas, dentro do Ministério da Justiça, agentes do governo passaram a montar dossiês ilegais de 579 servidores como integrantes do ‘movimento antifascismo’. Inspirado nas escrituras satânicas do arbítrio, invadiu-se a vida privada de centenas de pessoas produzindo um lixo de 400 páginas de pura bisbilhotice. Na Abin, freguesia do tal Ramagem, um decreto permitiria ao órgão xeretar, injustificadamente, dados sigilosos dos cidadãos, como informações bancárias, fiscais, telefônicos e inquéritos. Ambos foram excomungados por ilegalidade no STF por 9×1, com votos contundentes em defesa do Estado de Direito, funcionando como uma verdadeira encíclica democrática. Mas os devotos dos abusos não se inibem.
No Ministério da Economia, terra do nunca do mais surreal ilusionismo, ninguém cresce. Alimentam-se de fantasias miraculosas e, sabe-se agora, de arapongar jornalistas, professores e influenciadores nas redes sociais. A pasta contempla genuflexa e inerme a inflação voltar, a fome se expandir, o desemprego explodir, a fuga de investidores, a desvalorização do real, o crescimento da dívida pública, a queda abrupta da renda per capita e um PIB anão falseado pelo auxílio emergencial. Mesmo diante de tantos flagelos gastou-se dinheiro público para monitorar as redes sociais e bisbilhotar o que os denominados “detratores” falam de Paulo Guedes, o ministro que prega o “imposto de merda”.
No mais sacrílego lance de captura do Estado, a Abin, a terra prometida do indefectível Ramagem, teria realizado uma advocacia privada para orientar Flávio Bolsonaro a anular o processo onde já foi denunciado por 3 crimes graves: peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro. Os documentos foram exibidos pela reportagem de Guilherme Amado, de “Época” (“Finalidade: defender FB no caso Alerj”). O cardeal por lá, Heleno Augusto, desmente. A defesa de Flávio confirma. Para quem emitiu notas intimidadoras, não detectou fraudes em currículos de ministros, não impediu o tráfico de cocaína no avião presidencial e não viu a Abin virar SNI, o gabinete dele transmite mesmo uma grande segurança institucional.
Gustavo Bebbiano sempre denunciou a “Abin paralela”, atribuída aos filhos. O próprio Bolsonaro, na macabra missa ministerial de 22 da abril foi explícito: “Eu tenho o poder e vou interferir em todos os ministérios, sem exceção”. Logo em seguida emendou despudoradamente que era para proteger amigos e família: “É putaria o tempo todo para me atingir, mexendo com a minha família. Já tentei trocar gente da segurança nossa, oficialmente, e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar foder minha família toda de sacanagem, ou amigos meus, porque não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha — que pertence à estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode o chefe dele? Troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira”. Na Abin parece que encontrou convertidos.
A apropriação indevida do poder público para atender interesses privados e familiares é recorrente no clã. As ‘rachadinhas’ e patrocínios mascarados são homilias delinquentes da ainda impune e inadmissível privatização do aparelho estatal. Ao propagar que daria “filé” aos seus filhos, o capitão não contava com as reações. O chapeiro Eduardo Bolsonaro chegou a salivar com a embaixada nos EUA, mas ficou por aqui roendo o osso e vendo o cerco se fechar. Carlos Bolsonaro perdeu 34% dos votos para vereador no Rio e é alvo de inquéritos sensíveis no STF e também das rachadinhas. Calvário extenso é o de Flávio Bolsonaro. Está denunciado, as provas são robustas e o pedido de cassação ganha fôlego com a possível participação da Abin na peregrinação ilegal e imoral. Não se sabe até quando a chicana jurídica, única estratégia de defesa até agora, lhe dará sobrevida.
Quando assumiu o bispado da economia, Paulo Guedes incensou uma catedral de privatizações. Até agora não desestatizou nenhuma empresa pública pela bíblia tradicional e terá um trabalho dos diabos com a impudicícia do centrão em nomear apadrinhados nas estatais. O caminho é a ortodoxia do capitão, que já privatizou a Abin, a Polícia Federal e o Ministério da Justiça. Por outros credos inumanos, igualmente heréticos, privatizou o Ministério da Saúde e a Anvisa. Os pecados, a degeneração, as vilanias, os crimes, as infâmias e as mortes vão se acumulando sem castigo. As remissões são impossíveis e o clã Bolsonaro purgará nas pragas que lançou. Na terra dos faraós, a décima praga, a morte dos primogênitos, encerrou o ciclo das maldições.
Os Divergentes