Em A Arte de Escrever, o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) ensina que os grandes pensadores devem aprender diretamente “no livro do mundo”, não se restringindo ao caráter livresco. Mas reconhece ser impossível ter sempre pensamentos próprios, tornando-se necessária a leitura para “alimentar o espírito com outros materiais” e assim enriquecer os textos.
Bela lição. Nesses tempos de pandemia, os escribas procuram mesclar seu pensamento ao de outros tentando encontrar explicações para as quais a lógica do cotidiano não responde. Como explicar, por exemplo, nessa era tão fértil da ciência, que seria possível surgir gravíssima crise sanitária? A ciência descobriu em menos de um ano vacinas eficazes contra o coronavírus, mas que certeza teremos de não reaparecer mais adiante vírus ainda mais perigosos? Ou por quê, diante do conhecimento, existem figuras negacionistas, que seguem os passos de populistas e demagogos e chegam até a defender fogueiras para crentes?
É o diálogo que esse obscuro analista político propõe aos seus leitores, pois os escritos não devem ser monólogo, mas permanente interlocução. Diálogo necessário nesse instante em que, isolados, dispomos de mais tempo para leitura, ouvir outras opiniões, estabelecer uma ação interativa que procure entender o mundo real.
Confesso que penso no meu interlocutor, no leitor, na busca de prescrutar o que e como pensa, como reage a esse oceano de informações, como sair do intenso solilóquio dessa era de restrição? Afinal, como sairemos disso? Mais pensativos, menos falantes, mais conformados ou revoltados? Possivelmente mais criativos. Porque o isolamento nos leva a fazer passeios ao passado, uma revisita aos amigos e parentes que já partiram, uma prospecção no campo profissional, situações que aguçam nossa maquinazinha de pensar. Nossa cabeça gira a 360º.
Em determinadas áreas, como na de textos e produção de pensamento, nas artes e na cultura, a criatividade ganha mais espaço, como se vê nos bons textos de articulistas e colunistas, nas pensatas literárias, nas lives de shows, nos novos livros. Lembram-se das músicas de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil nos idos ferinos da censura? Eram mais criativas e de maior impacto. Um drible à censura.
Pequena curiosidade. Figuras ilustres da produção de conhecimento desenvolveram técnicas para estimular sua intuição criadora. Frederich Shchiller, filósofo e poeta alemão, era estimulado pelo odor de maçãs apodrecidas em sua gaveta; Georges-Louis Leclerc, conde de Buffon, vestia, para redigir sua História Natural, seus punhos e roupa de gala; o poeta Baudelaire punha-se de bruços no assoalho para escrever; para Humboldt, o melhor era subir lentamente uma montanha, ao sol; para Goethe, a contemplação da paisagem.
Quem sabe se a criatividade não será estimulada nesse ciclo de angústia e medo? Este texto não traz um olhar sobre a conjuntura política, na rotina que desenvolvo há décadas, sendo um simples convite a um passeio interno, uma revirada em nossa maneira de ver, observar, falar, viver a vida. Sem censura.
*Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político
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