Paixões (por Hildeberto Barbosa Filho) – Heron Cid
Crônicas

Paixões (por Hildeberto Barbosa Filho)

20 de dezembro de 2020 às 10h15 Por Heron Cid

Como conceber o mundo sem a música? – perguntava-se Artur Rubenstein (foto).  O mesmo poderia fazer Jorge Luís Borges, com a literatura; Maradona, com o futebol; Muhammadd Ali, com o boxe; Isadora Duncan, com a dança; Almir Klink, com o mar, José Mindlin, com os livros, e por aí vai…

De minha parte, me pergunto: como conceber o mundo sem as paixões? Não importa que a palavra abrigue, em sua semântica, a idéia de phatos, de doença, de distúrbio, de descontrole, de excesso, enfim, de alteração do estado normal. Penso que nada é mais tedioso do que a normalidade. Aliás, o que é mesmo a normalidade? Segundo Caetano Veloso, ninguém de perto é normal, e o homem, mesmo sendo uma paixão inútil, segundo Sartre, não pode nem deve viver sem paixões.

Na altura dos meus 66, já tive muitas! Tive e tenho, felizmente.

Cavalos, por exemplo, foram sempre uma grande paixão. Ainda menino, na zona rural de minha Comarca das Pedras, meu velho pai me presenteou com um alazão avermelhado, grande e veloz, ao qual passei a chamar de Soberano, e que, na fantasia de um verso, valendo-me dos apetrechos de uma imagem, disse que ele me ensinou as letras da caatinga. Depois de Soberano, vieram outros: Granfino, Labareda, Ventania, Asa Branca e, por fim, Baudelaire, cavalinho rudado, pequeno, entroncado, ligeiro e baixeiro que só vendo.

Outra paixão perene que contamina o tempero, não raro insosso, de minha vida, são os pássaros. Como conceber o mundo sem eles? Em especial, os passarinhos de minha sagrada região, o Cariri. Refiro-me aos canários da terra, aos galos-de-campina e aos azulões, não somente pela beleza da plumagem, mas também pelo refinado e surpreendente das variações melódicas do canto. Não fosse o dura lex sed lex de uma ação do Ibama, motivada certamente por algum desafeto metido a verde, ainda os criaria nas gaiolas penduradas no terraço.

Nem por isso, todavia, deixei de cultivar minha paixão. Possuo dois periquitos – os irmãos Goncourt – numa gaiola larga e espaçosa; uma rolinha burguesa, chamada Cecília Meireles, devido ao canto delicado e melancólico, uma dezena de canários belga e alguns pintagóis, ferindo o silêncio de minha casa com os sons e harmonias de uma orquestra super afinada. E a maior de todas, a paixão pelos livros. Dessa falarei depois.

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