Jair Messias Bolsonaro tem o direito de comportar-se como um suicida diante da pandemia que matou mais de 182 mil pessoas no Brasil desde março último. A vida é sua e ele faz com ela o que quiser. Mas nem ele e nem ninguém tem o direito de pôr em risco a vida alheia por não dar valor à sua ou porque se julga imortal.
Direito à opinião todo mundo tem. Bolsonaro e seus devotos de raiz, por exemplo, acreditam que a Covid-19 é um vírus criado em laboratório e posto a circular pelo mundo para servir aos interesses geopolíticos da China. Direito a fatos ninguém tem. Fatos são verdades provadas, comprovadas e inquestionáveis.
Repete o presidente que sua saúde é de atleta. De fato, foi de atleta quando ele se destacava nos quartéis por correr a grande velocidade. Ganhou várias provas. Há registros no seu prontuário. Quanto a gozar ainda de saúde de atleta, não passa de opinião. Nunca mais deu provas disso. Foi vítima do coronavírus.
Somente ontem, em três ocasiões, protagonizou atos contra a vida – dos outros, diga-se. O primeiro ao reunir-se com milhares de produtores e de vendedores de frutas e legumes em São Paulo, quase todos sem máscaras, ele também. O segundo, outra vez sem máscara, ao visitar Sílvio Santos, um idoso de 90 anos de idade.
O terceiro foi o mais escandaloso. Bolsonaro aconselhou Eduardo Pazuello, doublé de general e de ministro da Saúde, a fazer uma campanha nacional de propaganda alertando os brasileiros para o perigo de se vacinarem. Desta vez não se referiu diretamente à vacina da China. Haveria perigo de morte em tomar qualquer uma.
Sua conduta não foi quase criminosa. Foi inteiramente criminosa. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão técnico do governo agora contaminado pelo vírus ideológico, existe para testar e conferir a eficácia de remédios e de vacinas. Sem o seu aval, nenhum produto médico é liberado para uso em massa.
Desacreditar a Anvisa, e é isso o que está em curso, e tocar horror nas pessoas para que elas fujam de vacinas que estão sendo aplicadas largamente em outros países, é atentar contra a vida coletiva. Haverá crime maior do que esse? E logo praticado por um presidente que ao tomar posse jurou cumprir a Constituição?
Diz o artigo 5º do Capítulo 1 da Constituição em vigor: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Inviolabilidade do direito à vida!
O que isso significa? Que na atual legislação brasileira “o direito à vida é tido como o alicerce para a prerrogativa jurídica da pessoa, motivo pelo qual o Estado tem por dever resguardar a vida humana, desde a concepção até a morte. Diante de sua importância o direito à vida é uma cláusula pétrea.”
E o que é uma cláusula pétrea? “É um artigo da Constituição que não pode ser alterado. Pétrea é um adjetivo para aquilo que é como pedra, imutável e perpétuo. Uma cláusula pétrea é, portanto, um dispositivo do texto constitucional que é estabelecido como regra e que não pode sofrer nenhuma mudança.”
Por quanto tempo mais o país assistirá inerte o presidente da República afrontar a lei? Não se trata de opinião que ele desrespeita a vida, é um fato que se sucede à vista de todos e quase que diariamente. Se apesar disso nada acontece, a Constituição então serve para quê?
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