Na quarta-feira 7 de dezembro de 2020, ano da peste que assolou o planeta no início do século XXI matando mais de 1.532 mil pessoas e infectando pouco mais de 66 milhões, o excelentíssimo senhor presidente da República Federativa do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, em cerimônia no Palácio do Planalto, inaugurou com a pompa que tal momento exigia a exposição do terno completo que usou no dia da sua posse em 1º de janeiro de 2018, bem como o vestido que na ocasião portava Michelle de Paula Firmo Reinaldo, sua mulher.
O evento não constava da agenda do presidente. Passou a constar por exigência de Michelle. Diante de seis ministros e de funcionários do governo mobilizados às pressas, Michelle discursou com direito a transmissão ao vivo pela TV estatal: “Um dia memorável, né? Um dia memorável para a Nação”. Depois dela, falou a estilista Marie Lafayette, autora do vestido, uma carioca que afrancesou o próprio nome depois de um curso de alta costura que fez em Paris. O sonho de Marie Lafayette é vestir a Rainha da Inglaterra.
A estilista disse ter confeccionado o vestido “com muito amor” e descreveu Michelle como uma “pessoa iluminada”. O alfaiate Santino Gonçalves, autor do terno de Bolsonaro, sucedeu a Lafayette ao microfone e referiu-se ao seu cliente como o “presidente que Deus escolheu”. Então chegou a vez de Bolsonaro dizer alguma coisa. E ele fez questão de contar logo de saída que não pagou pelo terno, assim como Michelle não pagou pelo vestido. “De graça, até injeção marciana, né?” – gracejou. Mas não se deu por satisfeito.
Em seguida, em meio ao riso da plateia acostumada a sorrir quando o presidente tenta ser engraçado, Bolsonaro forneceu o endereço do alfaiate que tem ateliê em Brasília. E observou: “Quanto mais terno fizerem lá, mais eu ganho por aqui”. Ao fim da solenidade da roupa usada a ser tratada doravante como obra de arte, um ministro apressou-se em trocar cartões de visita com o alfaiate, e uma modesta funcionária do palácio especulou em conversa com outra sobre o preço de um vestido assinado por Marie Lafayette.
Os anais da história registrarão que naquele dia de pouco sol em Brasília e de trabalho ameno na sede do governo, o Covid-19 havia matado mais 426 brasileiros nas últimas 24 horas, elevando para 177.388 o número de óbitos desde o começo da pandemia há nove meses. A média móvel de mortes nos últimos 7 dias foi de 603, a mais alta desde 10 de outubro último. E crescia no Distrito Federal e também em 17 dos 26 Estados. As autoridades médicas concordavam que não era ainda a segunda onda do vírus, apenas o recrudescimento da primeira.
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