Muito mais importante que o resultado do segundo turno das eleições municipais deste domingo para definir posições e articulações preparatórias ao embate nacional de 2022 é a escolha dos presidentes da Câmara e do Senado.
Na verdade, o mundo político considera importante mesmo a escolha dos deputados, porque em fevereiro eles definirão quem será a pessoa com poder de vida ou de morte sobre pedidos de impeachment contra o presidente da República.
Um presidente da Câmara fidelíssimo ao Palácio do Planalto tende a arquivar os pedidos, enquanto outro não alinhado se inclina a deixar essas solicitações na prateleira, ou “sentar em cima”, no jargão algo vulgar corrente no Parlamento. Assim fez Rodrigo Maia, em cuja gaveta se acumulam mais de cinquenta contra Jair Bolsonaro. Já Lula e FH contaram com aliados para levar semelhantes intenções e ideias ao arquivo.
Essa é a chave do início da corrida. Não porque haja no horizonte dos opositores do atual presidente uma intenção real e premente de lhe interromper o mandato. A ideia é muito mais manter ativa a espada de Dâmocles.
Isso além do controle da pauta de votações e da liderança sobre o andamento das relações entre Executivo e Legislativo, fundamental para um cenário de estabilidade ou de instabilidade política no desenrolar do processo eleitoral. O mandato dos comandantes do Legislativo eleitos em fevereiro de 2021 vai até fevereiro de 2023.
Nada ou muito pouco disso interessa ou interfere na decisão do eleitor. É fato. Contados os votos de domingo 29 de novembro, para partidos e políticos começa o processo de montagem de estruturas e estratégias que não inclui o eleitorado, embora tenha como finalidade mobilizá-lo para outubro de 2022 com dois objetivos opostos: Jair Bolsonaro tentando se reeleger e seus adversários querendo tirá-lo do poder.
Do lado do presidente ainda não é possível enxergar movimentos além do empenho de eleger o presidente da Câmara, num plano até então concentrado na figura do deputado Arthur Lira, agora dificultado pela formação de maioria para mantê-lo como réu na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, em denúncia de corrupção passiva.
Já os oponentes se movimentam com mais nitidez, não obstante o façam em ritmo de compasso de espera para ver como fica o equilíbrio de forças entre Planalto e Congresso. Tanto na esquerda quanto ao centro e à direita agora desgarrada de Bolsonaro há dois tipos de consenso: a necessidade de aglutinação dos competidores e as diferenças entre as eleições de 2018 e 2022.
Por aglutinação não se entenda uma frente tão ampla a ponto de juntar campos ideológicos opostos. É inexequível. Há que levar em conta afinidades e respeitar as visões de mundo a fim de não termos sacos de gatos no lugar de chapas com projetos de país minimamente coerentes naquilo que apresentarão ao eleitorado.
A tentativa será evitar a fragmentação absoluta. Na base do cada um por si, todos concordam (em tese), o resultado será a reeleição de Bolsonaro. A divisão considerada ideal é esquerda e área de influência de um lado e centro de outro atraindo aquela direita dita civilizada. União de conveniência, só no segundo turno.
O essencial, também há concordância geral (na teoria), é não começar a discussão impondo vetos a nomes. Se o pré-requisito for pautado pela intolerância, não haverá entendimento. E por isso mesmo a escolha de candidaturas deve ser uma etapa posterior à do acerto de convergências sobre os programas de governo. Tudo muito bonito no universo das ideias a ser submetido ao crivo do mundo real.
Mais exatamente à nova realidade, muito diferente daquela vivida em 2018. O desafio da oposição é se organizar, coisa que não fez dois anos atrás e acabou transformando a eleição num embate de ressentimentos. Já Bolsonaro terá de superar obstáculos que não enfrentou na ocasião: agora não há a descrença quanto à sua vitória como havia; ele não é mais uma hipótese a ser confrontada com os fatos; terá de responder a cobranças por resultados de governo, estando sob um escrutínio que não esteve; não contará com o contraponto do PT para amedrontar o eleitor.
Sobra ainda a questão dos militares. Estarão com ele, abraçarão outra candidatura ou vão se recolher ao silêncio? Raul Jungmann, ex-ministro da Defesa e interlocutor constante de oficiais da ativa e da reserva, se tivesse de apostar, cravaria a terceira opção. Por quê? “Acabou o encantamento.”
Publicado em VEJA de 2 de dezembro de 2020, edição nº 2715