Uma dose de Narciso (por Givaldo Medeiros) – Heron Cid
Crônicas

Uma dose de Narciso (por Givaldo Medeiros)

26 de novembro de 2020 às 09h57 Por Heron Cid

As pessoas, definitivamente, não andam bem. Começo desconfiar pelo número de mensagens, estilo auto ajuda. É muito ensinamento. E quando a gente fala muito, para os outros, como devem fazer, o que devem falar, como devem viver, é porque não sabemos como proceder diante das nossas próprias tempestades. Puro jogo projetivo.

As frases, se juntam para passar uma mensagem. Primeiro eu. Certo. Segundo eu. Já não sei. Terceiro eu. Errado. É como se quando a gente. começasse a se amar, fosse dando uma preguiça de se envolver com os outros. Esse é um tema , aliás, que nunca envelhece, nem deixa de ser pauta. A auto estima. O auto amor. O amar-se a si mesmo, que envolve também o tão popular, “seja você mesmo, não o que os outros querem que você seja”. Vocês já ouviram muito isso por aí. Toda essa premissa se junta no que é o narcisismo em nós, outra invenção do Dr. Freud. Dizia ele, mais ou menos assim: todos temos um quantum de amor, de investimento afetivo dirigidos para nós mesmos. Uma espécie de reserva de energia libidinal. O narcisismo está presente, como um pano de fundo, em toda nossa atividade mental; assim como, as necessidades de alimentar-se, sobreviver e perpetuar a espécie, permeiam a atividade dos outros animais.

Mas fica contraditório, quando alguém se auto fotografa em sua melhor performance; em seguida, publica a foto para que todos o/a vejam e declara: seja bonita(o) para você mesma(o). Você acredita que um indivíduo se embeleze, encha-se de adornos externos ou internos, somente para se olhar no seu próprio espelho? Eu não acredito. Porque me é facultado agradar a quem eu gosto. E é para isso que me fotografei.

A forma como eu me represento, não vem de mim mesmo, não nasceu comigo. Talvez uma mínima parte apenas. Ela vem de um conjunto de representações, inseridas numa cadeia de valorações, que foi construída a partir de outras pessoas. Assim como, nos são mostrados, pelos adultos, os perigos e limitações; são-nos transmitidas, da mesma forma, diversas valorações. Então, meu próprio narcisismo está inserido numa cadeia relacional. O seja você mesmo, sem levar em conta mais ninguém, beira mais a uma personalidade patologicamente narcísica, com suas características de exacerbação das qualidades de si e exploração nas relações interpessoais.

Uma pessoa capaz de gostar de si mesma, e de se proteger nas relações que estabelece, mantem-se capaz de interagir , amar e proteger ao outro. As inumeráveis imagens de si mesmo, e as relações entre elas, lhe permitem dosificar o amor a si mesmo, o otimismo e a auto crença, por um lado; e a quantidade de amor para investir externamente.

A pouca estima por si mesmo, leva-nos a nos ver mais frágeis, ou infelizes, ou inferiores ao que somos. Porém, os criadores de frases e textos de efeito, que ficam passando em nossas timelines, mesmo que sejam no sentido da auto ajuda , não me soam bem e me parecem distorcidos. Eu sei. É difícil confiar. É complicado ser fera. Mesmo assim, ainda creio que seja melhor gladiar com o mundo, do que me encher de mim mesmo e comigo gladiar, numa luta temerosa e sem fim. Basta uma dose de Narciso por dia. Mais que isso, faz muito mal.

MaisPB

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