O jornalista José Viera Neto (dos meus preferidos), que conheci em 1990, ou bem antes, se não me esqueço, no Sitio Maravilha, onde morava seu avô Sebastião, padroeiro do Rio de Janeiro e do Sertão, me fez ver onde imagens significam mais. Viera postou um vídeo acelerado, voando para reencontrar a árvore da sua vida/arretada.
Parece um curta, um documentário, e fiquei a lembrar de um homem sentado à sombra da árvore de Augusto dos Anjos. lendo “O livro do desassossego” de Fernando Pessoa. Esse homem, pode ter sido próprio Augusto, jamais seu pai, que cortou a árvore da vida do filho, em versos cruéis: “Meu pai, por que sua ira não se acalma?! Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?! Deus pôs almas nos cedros… no junquilho… Esta árvore, meu pai, possui minh’alma!…”
José botou o pé na estrada e foi procurar sua árvore. Entrou na mata, num lugar perto de Pombal, quase cansado do que houvera, num clima selvagem e, por um sortilégio, numa indicação do drone encontrou a árvore, que seu avô Sebastião lhe dera, quando ele era menino e ia passar as férias no Sitio Maravilha. Ele chamava o avô de “Papai Maravilha”. Antes de abraçar o neto, Seu Sebastião ia no oitão e trazia o balanço, para colocar na árvore e ver José alegre, pra lá e pra cá.
A cena lá atrás, hoje parece deserta. José começa a percorrer o espaço à procura de sentimentalidades, que desapareceram da sua vida (uma rosa, uma gaitada, um cacto, uma fruta, uma casa no campo, uma rede armada), dos quais quis despedir-se pela última vez ou reencontrar de uma vez por todas. É linda a cena, chega a ser um remédio para a dor, ou um silencio servindo de amém…
Mas José pensa que nos engana. Seu percurso vai de encontro a seu avô Sebastião: os dois ainda nesse plano, num filme que ele chama de árvore da sua vida. Dois homens apaixonados, bem mais belo que a árvore. Lembro-me de Caetano Veloso abraçado a uma árvore, ( acho que em Santo Amaro, no Recôncavo baiano), com o filho Zeca, ainda bebê, nos braços. Todo homem precisa de uma árvore genealógica.
Este José Vieira, que fala da vida quase com a certeza de que nascemos para sementes, está diante de um réquiem e simultaneamente, uma cantoria antiga, um sonho no sereno, uma saudade extravasada, uma espécie em extinção, seu avô Sebastião. Eu penso que essas coisas só acontecem com nós sertanejos, que brotamos do barro, da mata, da chuva.
Nesse filme ele está sozinho. Não, não está. Se a pessoa olhar direito, estão lá Dona Maria e Seu Sebastião, abraçando o neto, 50 anos depois. Uma homenagem na pele, de um norte extraordinário sua busca, um ato de fé e afeto de um jornalista que filmou essa história e eu me meto a fazer uma garatuja.
Para além da dissertação do tema, o avô Sebastião, os signos selecionados, o vídeo da árvore, inclui uma visita guiada ao espaço infantil e uma prova de que Deus está conosco até o pescoço. Eu só lamento muito não ter conhecido meus avôs…
Já plantei a árvore de meu filho e, às vezes procuro a sombra do pé de Algaroba, (minha árvore?), plantada na esquina da nossa casa no Sertão, que os paralelepípedos mataram. Por incrível que pareça, ao meio dia, caia da algaroba gotículas de uma água sagrada, num sol a pino e eu ali embaixo da árvore, conversando com meu pai, perguntando como era meu avô.
A árvore de José Viera é tão bonita, muito embora ele tenha crescido mais que ela, se agigantou e já é avô. Quer saber? José Vieira botou palavras na minha boca.
Kapetadas
1 – O que o queijo de coalho falou pra queijo de manteiga? Adoro o Brie dos seus olhos.
2 – A palavra pode tudo, desde nomear para dar sentido as coisas, a saudade e o abraço que está faltando entre nós.
3 – Som na caixa: “As árvores são fáceis de achar, ficam plantadas no chão, árvores da vida”, Arnaldo Antunes.
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