O cadafalso de Wilson Witzel, sob a bênção e a maldição de Bolsonaro – Heron Cid
Bastidores

O cadafalso de Wilson Witzel, sob a bênção e a maldição de Bolsonaro

29 de agosto de 2020 às 11h39 Por Heron Cid

O ex-juiz e ex-fuzileiro naval Wilson Witzel, agora governador afastado do Rio de Janeiro por 180 dias, teve uma ascensão tão meteórica quanto a sua queda, que culmina com a operação desta sexta-feira que o afasta por suspeitas de corrupção na área de saúde. A investigação atinge até mesmo a primeira-dama, Helena Witzel, “Estou sendo afastado sem nenhuma prova”, garante ele, que se diz perseguido por uma questão pessoal com o presidente Jair Bolsonaro. O histórico de ambos mostra que a inexperiência de Witzel, sua ambição por voos mais altos e a deslealdade com quem lhe permitiu usar seu nome para se eleger formaram a alquimia para a tormenta que o tirou do cargo nesta sexta, 28.

Witzel, de 51 anos, casado e pai de 4 filhos, era um ilustre desconhecido para a maioria dos brasileiros até a véspera da eleição em 2018, e um amador na política. Em meados de setembro, a 20 dias da eleição, ele tinha 2% das intenções de votos. Witzel nunca havia competido por um cargo eletivo, mas achava que tinha o perfil talhado para o momento que o Brasil vivia em 2018, sob a insígnia da ordem ao caos que a Lava Jato havia inaugurado em 2014. Mencionava o então juiz Sergio Moro e o juiz Marcelo Bretas como referências.

O então candidato Jair Bolsonaro liderava as pesquisas presidenciais, e a campanha de Witzel, que já havia tentado outras alianças, viu ali a única chance de avançar na peleja. Foi Flavio Bolsonaro, então candidato a senador, quem articulou a aliança para que Witzel se apoiasse no sobrenome da família na disputa, embora seu pai não tenha endossado publicamente o nome do candidato a governador. Dito e feito, o ex-juiz disparou nas pesquisas e passou para o segundo turno em 7 de outubro com 41% dos votos, o dobro do segundo colocado, Eduardo Paes.

Era o momento exato em que o Brasil comprava a Jairmania, com seu discurso agressivo contra o PT, e contra a bandidagem. Quem se alinhasse ao seu discurso pró-armas, antiesquerda e pela segurança do cidadão de bem tinha fortes chance de ganhar. Witzel foi então carregado pelos aliados e por pitbulls de Bolsonaro em palanques do Rio para se tornar mais conhecido. Em 1º de outubro, estava ao lado dos candidatos a deputado federal e estadual, o ex-policial Daniel Silveira e Rodrigo Amorim, na cidade serrana de Petrópolis. No dia anterior Silveira e Amorim haviam quebrado uma réplica de placa de rua com o nome da vereadora assassinada Marielle Franco contra “a bagunça socialista”. No ato em Petrópolis, lá estavam eles exibindo a placa rasgada na mão ao lado do candidato Witzel. Em seguida, Silveira apresentou o ex-juiz como “nosso candidato ao Governo do Rio”.

Mesmo sem o aval público de Bolsonaro, Witzel se esforçava para mostrar intimidade com o candidato que estava por cima da carne seca. Contou ao público naquela ocasião que havia jantado com o então candidato a presidente meses antes e manifestado seu interesse em ser governador. “Ele me disse: ‘Olha, eu tenho um parafuso a menos por querer ser presidente da República, mas você querer ser governador do Rio tem menos dois’”, relembrava. Eis que selou a conversa, segundo ele, ao dizer “candidato, sou fuzileiro naval. Missão dada é missão cumprida”, numa corte ostensiva para ganhar sua atenção.

O ex-juiz ganhou o voto das áreas dominadas por milícias por um lado, e dos evangélicos por outro, como candidato do Partido Social Cristão (PSC), presidido pelo Pastor Everaldo, detido nesta sexta (28) na operação contra fraudes na saúde do Rio. Quando eleito, em 28 de outubro com quase 60% dos votos (4,67 milhões), Witzel reafirmou seu compromisso com os ideais bolsonaristas e a gratidão a Flavio. “Quero manifestar gratidão a um jovem senador que, num gesto simbólico, contrariando até mesmo o 01 [o pai, Jair Bolsonaro], me deu a mão e falou ‘salva o Rio de Janeiro, Wilson”. Não deixou de reconhecer o poder do que também foi eleito presidente e de novo “símbolo da mudança que o Brasil estava querendo”, mas garantiu que não pegava carona. “Dei as mãos e fui abraçado por este movimento de renovação”.

Acreditou demais em sua própria leitura e se colocou à altura de um presidenciável antes da hora para fazer frente a alguém que ocupava a presidência da República, tinha a máquina pública a seu favor, e um lastro no mesmo Estado de onde fora eleito sete vezes consecutivas e saíra como o deputado federal mais votado em 2014. Mais ainda, num Estado que já vinha de um cenário de terra arrasada com dois ex-governadores presos. Sergio Cabral e Luiz Fernando Pezão ―este preso enquanto estava em exercício em 2018, liberado apenas um ano depois, desde quando responde a acusações de corrupção em liberdade.

Mas Bolsonaro já havia dado sinal de que estava com os olhos bem abertos para os aliados de última hora de campanha que poderiam se transformar em potenciais adversários. Não deu sua bênção a Witzel durante a campanha eleitoral, assim como não dera ao candidato paulista, João Doria, que chegou a criar o slogan Bolsodoria para se eleger, embora tivesse batido com a cara na porta quando tentou visitar Bolsonaro quando ele estava à frente das pesquisas.

Witzel passou os primeiros meses de Governo deslumbrado com o cargo, dentro do personagem que vendeu durante a campanha. Em novembro, logo depois de ser eleito, avisou que qualquer pessoa com fuzil na rua era alvo de tiro da polícia. “O correto é matar bandido que estiver de fuzil. Vai mirar na cabecinha e fogo! Para não ter erro”, disse. No ano passado, deu amostras de que estava em campanha para 2022 com operações policiais midiáticas e marcando distância de Bolsonaro. Em agosto, seguiu para o local onde um homem havia sido morto por atiradores de elite após fazer de reféns passageiros de um ônibus por várias horas. O governador chegou de helicóptero ao local, a ponte Rio-Niterói, onde o sequestrador havia sido alvejado. Desceu fazendo gestos de celebração como se fosse a final de uma Copa do Mundo, alheio à tensão dos passageiros, da cidade e da própria família do sequestrador morto. Dois dias depois, uma reportagem da revista Época registrava críticas feitas por ele ao presidente. “Bolsonaro anima as redes, e o Brasil não sai do lugar”, disse ele. A distância foi aumentando dia a dia, como o próprio presidente deixou claro.

Em outubro, numa conversa sobre as investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco e Anderson Silva, Witzel teria contado a Bolsonaro que a investigação teria ido para o Supremo Tribunal porque o porteiro do condomínio do presidente teria citado o seu nome. O assunto ainda não havia chegado à imprensa e Witzel estaria usando a informação com intuito político como pressão velada contra o mandatário. Bolsonaro ficou furioso e acusou Witzel de manipular a polícia civil do Estado. “Acabaram as eleições e ele botou na cabeça que quer ser presidente”, reclamou o presidente em um evento. “Mas também botou na cabeça que quer destruir a reputação da família Bolsonaro”, acusou. O porteiro acabou mudando a versão, e a vida seguiu seu curso.

Mas desde então os dois viviam às turras, e a distância ficou ainda mais marcada durante a pandemia da covid-19. Witzel se uniu aos demais governadores contra a postura anticiência de Bolsonaro e se tornou alvo declarado do presidente. Witzel passou a exibir uma imagem sensível para as vítimas da covid-19 e pregou também o confinamento seguido por governadores numa antítese com o presidente.

Foi justamente durante a gestão da pandemia que seu Governo foi investigado sob a Operação Placebo por corrupção em contratos na área da saúde, incluindo superfaturamento de respiradores e que mirou o governador em maio. As suspeitas fomentaram inclusive um pedido de impeachment do governador aberto na Assembleia Legislativa. Agora, a suspeita é a existência de um amplo esquema de corrupção que envolveria também outras áreas da administração e que teria a participação de membros do Legislativo e do Judiciário, que respinga inclusive no escritório de advocacia da primeira-dama, Helena Witzel. Passou pelo escritório de Helena um contrato no valor de 554.200 reais entre agosto do ano passado e maio deste ano. Parte desse dinheiro teria chegado às contas do governador. As informações vieram a público depois que o ex-secretário de Saúde do Rio, Edmar Santos, firmou delação premiada com a Procuradoria Geral da República (PGR). Santos esteve no meio de uma trama que envolveu contratos sem licitação e hospitais de campanha prometidos e não entregues para a gestão da covid-19 no Estado.

Furioso, o governador afastado desmentiu todas as acusações, chamou seu ex-secretário de “canalha” e disse que a investigação contra ele estão tocadas por uma “questão pessoal” e sugeriu investigar a hipótese de influência da família Bolsonaro na condução do caso contra seu Governo. “O presidente Bolsonaro já falou que quer o Rio e já me acusou de perseguir a família dele”, declarou. “Estou incomodando prendendo miliciano?”, indagou. Levantou ainda a hipótese de que sua saída vai beneficiar a investigação sobre o suposto esquema de rachadinha do senador Flavio Bolsonaro. Em dezembro, ele deveria indicar o novo procurador-geral de Justiça do Rio, que deve assumir as investigações que pressionam cada vez mais Flavio e a família.

Witzel ainda chamou a atenção para a subprocuradora da República Lindora Araújo de perseguir outros governadores. Em maio, sete governos estaduais foram alvo da Operação Placebo. Um dia antes da operação contra Witzel naquele mês, a deputada bolsonarista Carla Zambelli já alardeava que haveriam investigações em curso contra governadores. Lindora é responsável pela operação Lava Jato na PGR, e ficou conhecida em junho após tentar acessar arquivos da operação em Curitiba a pedido do procurador Augusto Aras.

Eleito em 2018, beneficiou-se da estampa de juiz em meio ao ibope da Operação Lava Jato. Agora, encara a polícia batendo a sua porta e da sua família e sob a decisão monocrática do ministro Benedito Gonçalves do Superior Tribunal da Justiça. Engole também os risos de Bolsonaro com a sua desgraça. Na saída do Palácio do Planalto, o presidente ironizou: “O Rio está pegando”, disse ele rindo a um apoiador, enquanto Witzel amarga esta derrota política. Sua saída em definitivo parece uma questão de tempo diante da pressão do processo de impeachment em seu encalço.

EL País

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