As coberturas invisíveis (por Weiller Diniz) – Heron Cid
Bastidores

As coberturas invisíveis (por Weiller Diniz)

5 de agosto de 2020 às 06h00 Por Heron Cid

Promulgada a Constituição, no dia seguinte já se falava em faxina tributária para simplificar impostos, ampliar a base, atenuar o centralismo e promover justiça social. O debate é tão longevo quanto os casarões e seus destinos: Implosão. Há um longo histórico de maquetes que ruíram. Em todas elas, camufladas sob persianas distributivistas, as coberturas dos abastados sempre estiveram invisíveis. Quem entra pelo cano nos puxadinhos tributários são sempre os assalariados, os mais pobres e a classe média, cada vez mais asfixiados.

A empreitada atual não quer uma obra estrutural. Rodrigo Maia aterrou a CPMF, esboroou o centrão e esfarelou a candidatura Artur Lira, com a qual o governo contava para cimentar o tributo. Além do tapume político hostil, a área econômica rabiscou uma reforma fracionada. O croqui condena, no alicerce, a organicidade e coerência que uma construção, digna desse nome, exige. Sugere ainda que inquilinos do poder querem mesmo um reboco fiscal com uma sólida viga arrecadatória. Sem sair da casinha, buscam apenas o alvará para reerguer a CPMF, demolida pelo Congresso Nacional em 2007 e, antes, abjurada pelo capitão.

A CPMF é uma escora condenada em razão do perfil regressivo. Ela é cumulativa e incide sobre todas as fases da cadeia econômica. Todos pagam várias vezes e onera as cadeias produtivas. Fora dela, desenha-se o isolamento acústico para não incomodar o andar de cima e seus dividendos, grandes fortunas, lucros, iates, jatinhos, helicópteros, lanchas e todas as imunidades tributárias da casa grande. Apenas 2 países no mundo não tributam dividendos e lucros. A Estônia é o outro. As deduções para classe média no Imposto de Renda, por outro lado, são limadas uma a uma.

As reformas recentes, com fachadas redentoras ou milagrosas, redundaram em rachaduras que condenaram estruturas sociais. A mudança trabalhista, de Michel Temer, precarizou as relações de trabalho e não abriu as cortinas para os 6 milhões de empregos. Muito longe disso. O marceneiro dessa construção empenada, Rogério Marinho, é ministro do capitão. A reforma previdenciária, que penalizou o trabalhador, é outra chaminé. Expeliu muita fumaça e poucos resultados. Reforma tributária é só mais uma do preposto Ipiranga.

Nenhuma das sacadas desenhadas pelo mestre de obras da economia, Paulo Guedes, saiu da prancheta. A reforma previdenciária foi amadurecida no governo Temer. Guedes é engenheiro de obra pronta. No mais é o arquiteto do ilusionismo. Não zerou o déficit, não privatizou estatais, não gerou empregos, não ampliou a renda, não trouxe investimentos. Não mudou o regime de partilha, não tocou as PECs emergenciais, engavetou a administrativa e a evasão de investidores bateu recordes. Não fez nada do que prometeu.

Seu projeto mais renomado é de alcova. Era um segredo, mas o vazamento da reunião de 22 de abril do promíscuo condomínio ministerial, determinado pelo STF, revelou um antípoda do empreendedor. Em plena pandemia, Paulo Guedes foi exposto explodindo o servidor púbico com uma “granada no bolso” e descortinou-se o desprezo com as pequenas e micros empresas, tratadas como senzalas. O segmento destratado por ele responde por 30% do PIB e 55% dos empregos. Já os bancos receberam robustos dutos financeiros. A venda da carteira do BB para o BTG, fundado por ele, pode ser considerada uma obra de Paulo Guedes?

Marcos Cintra, entusiasta da CPMF, é a maçaneta para desvendar outro porão mal iluminado. Neste caso, envolvendo uma segunda cobertura – metafórica – que abrigou o senador Flávio Bolsonaro, tisnado pelas tintas impuras das ‘rachadinhas’ na Assembleia do Rio de Janeiro ao lado do capataz Fabrício Queiroz. O encadeamento dos fatos, em 2019, funciona como um andaime para monitorar o que se passa no interior das janelas empoeiradas de Brasília.

Em 16 de julho de 2019, o presidente do STF, Dias Toffoli, concedeu uma liminar que ergueu um muro de contenção e preservou, temporariamente, Flávio Bolsonaro e outros investigados das apurações em curso. Aquelas que envolvessem o COAF, ainda na laje ministerial de Sérgio Moro, e informações da base de dados da Receita Federal, sem prévia autorização judicial, congelaram. O clã Bolsonaro comemorou, mas o senador segue imerso na fossa séptica do barraco da milícia carioca desde então.

No dia 01 de agosto, 15 dias depois, o ministro Alexandre de Moraes embargou a investigação da Receita Federal sobre 133 contribuintes. Os jornais da época listavam como possíveis alvos os domicílios de Gilmar Mendes e do próprio Dias Toffoli, incluindo as esposas de ambos: Guiomar Ferreira e Roberta Maria Rangel, além da ministra Isabel Gallotti do STJ. A decisão, além de suspeitas da Receita municiar a lava jato, afirmou haver ilegalidades nas investigações e também afastou 2 servidores da Receita Federal.

Decorridos 40 dias, em 11 de setembro, o chefe da Receita e topógrafo da CPMF, Marcos Cintra viu a casa cair. Foi demitido. A alegação pública para decepar o braço direito de Paulo Guedes foi o fato de Cintra der defendido a recriação da CPMF. O imposto, como se sabe hoje, nunca saiu da paleta governamental. Agora que está formalizado e referendado pelo capitão, fica claro que CPMF não foi a razão da implosão de Cintra. Talvez a tática da boa vizinhança com o STF, conveniente à época.

Completando o cronograma da obra, no dia 28 de novembro de 2019, o STF derrubou, por 9 votos a 2, o abrigo provisório que protegeu o telhado de vidro de Flavio Bolsonaro durante 4 meses. O ministro Toffoli votou contra a própria liminar, concedida em julho. Ao destelhar o albergue de Flávio Bolsonaro, a política da boa vizinhança foi para o ralo. O despejo veio depois que aliados do capitão marcharam pelo fechamento do STF. Convocados por Bolsonaro, martelavam para trincar as fundações democráticas.

As 16 derrotas subsequentes na Supremo Corte demonstram que a relação causou curtos circuitos eternos. Entre os reveses estão a autonomia dos estados na pandemia, o veto a posse de Alexandre Ramagem na PF, a abertura de 3 inquéritos sensíveis (Fake News, golpismo e PF), a manutenção da CPI das Fake News, a derrubada da imunização penal preventiva em crimes contra saúde pública, busca e apreensão e quebra de sigilos de aliados do capitão, além da suspensão de contas em redes sociais.

No período anterior, ainda no open house, não houve queixas de bolsonaristas, nem do PGR, Augusto Aras, quanto as investigações contra Fake News, aberta por Dias Toffoli. As 3 tentativas de abrir uma CPI da Toga no Senado para constranger o STF e a PEC 81, enquadrando o Supremo, foram inviabilizadas com apoio de bolsonaristas, inclusive Flávio Bolsonaro. O mundo deu voltas, demonstrando que terraplanismo e terraplanagem não são sinônimos.

“As reformas não conseguirão piorar nosso manicômio fiscal. Mas, como dizia um engraxate da Câmara, não há perigo de melhorar”. O diagnóstico é de Roberto Campos, um dos mais admiráveis economistas conservadores. Ele se presta a lustrar, como o anônimo engraxate da Câmara curvado sobre os pés da elite, que, em relação às coberturas não há risco de melhorar. Os pavimentos superiores seguem invisíveis e imunes aos pregos tributários e penais.

Os Divergentes

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