A pandemia do coronavírus tem nos feito revirar costumes e revisar conceitos e atitudes.
Sua chegada entre nós, em alguma medida, nos flagrou desapegados à consciência da própria finitude e impregnados de certezas e até de verdades.
Em meio ao amplo leque de consequências decorrentes do mundo pandêmico, pinço uma delas que me parece particularmente relevante.
O invisível coronavírus colocou em pauta diariamente sobre a ´mesa da refeição´ ou ´no sofá da sala´, diante da avidez por informações, um tema humano, mas revestido de milenar tabu: a morte.
Nos demos conta, subitamente, de nossas fragilidades e fomos compelidos a tratar (e temer) o vocábulo/assunto no cotidiano. Justamente algo que instintivamente era relegado ao esquecimento, como se a recíproca fosse verdadeira.
A morte deixou de ser algo genérico, restrito aos frios e distantes dramas e tragédias veiculadas pela imprensa, ou até mesmo pessoal e pontual, na despedida de algum amigo ou familiar.
A morte passou a se constituir numa espécie de ´fantasma´ permanente ao nosso redor, representada por um minúsculo e invisível vírus.
Que lições recolher dessa indesejada e ameaçadora companhia? Certamente é possível elencar inúmeras indicações.
Concentro-me num conceito, que verbalizo não como uma ´doutrina´, mas como a colheita do que intui um sentimento bafejado pelo coração.
É preciso a sublimação das pequenas coisas e dos singelos gestos, que adquirem significado transcendental quando praticados e personificados com o despojamento que relega o tempo cronometrado e circunscrito à agenda apinhada de compromissos.
A sublimação a qual me referi passa, por exemplo, pela contemplação e compartilhamento da natureza, essa dádiva divina que nos remete quase sempre a dois caminhos: banalizá-la ou ignorá-la em sua desmedida beleza.
Dedicar tempo e sensibilidade para introduzir-se e fazer parte da obra divina é um rejuvenescedor exercício de amor à vida.
Há (ainda) pássaros cantando por toda parte; flores desabrochando; auroras e crepúsculos solares à espera de atenção.
Eis o balé da vida, diário, intenso, com ou sem pandemia. O imortal e genial filósofo grego Aristóteles asseverou que “a natureza não faz nada em vão”.
É imperioso que na sucessão dos anos de nossa curta passagem terrena possamos nos dar conta do maravilhoso espetáculo pulsante e vigoroso, quase sempre em nossa volta. Afinal de contas, somos atores e, às vezes, até cenário desse milagre existencial.
Essa, como frisei acima, é tão somente uma das vertentes da ressignificação da vida. Há tantas outras… Viajar pelo encantador mundo da música, dos livros, dos filmes épicos…
Enverede-se pela retomada, na plenitude, da insuperável (e em desuso) arte de conversar, tecendo laços de convivência, sorvendo a experiência dos mais velhos, banhando-se da ingenuidade perdida com as crianças.
Não deixemos que essa pandemia transite por nossa vida tão somente como uma amedrontadora ameaça que nos confinou.
É possível que esse já considerado ´marco histórico´ do coronavírus venha a ser uma nova chance que é dada à nossa civilização de reescrever sua história e encarnar uma trajetória mais positiva, consequente e humana.
E que se faça isso com a emoção de como se fosse a primeira oportunidade e a intensidade própria da última vez.
Sugiro duas belas músicas para coroar as linhas acima, alinhavadas com muito improviso, mas igualmente com renovada esperança – a ´verde´ palavra que é sinônimo e certificação da fé, esse combustível intangível que nos projeta rumo à eternidade.
Afinal de contas, nos ensina o poeta Mário Quintana que “viver é acalentar sonhos e esperanças, fazendo da fé a nossa inspiração maior. É buscar nas pequenas coisas, um grande motivo para ser feliz!”
*Publicado no Paraibaonline