A situação está tão difícil para o presidente que ele não está podendo nem dispensar o apoio de gatos-pingados. Por isso, não deu um pio sobre a algazarra dos rojões contra a sede do Supremo Tribunal Federal. No dia seguinte assistiu calado à prisão de Sara Fernanda, a alpinista de protestos e líder dos trinta integrantes de acampamento daquilo que Jair Bolsonaro chama de “minha base”.
Quando o silêncio já incomodava seus seguidores nas redes (“a mídia que eu tenho”), prometeu recorrer a “medidas legais” e colocar “tudo no seu devido lugar”.
Bolsonaro reagia, assim, às ações de busca e apreensão em endereços de bolsonaristas, no inquérito para investigar a gênese das manifestações que colidem com o veto da Constituição ao financiamento e à propagação de atos contrários à ordem institucional.
O tom do presidente foi bem diferente do adotado na semana anterior, quando da operação da Polícia Federal contra suspeitos de integrar um esquema de divulgação de notícias falsas como ferramenta de defesa do governo. Na ocasião, praticamente incorporou um João Figueiredo, parecendo querer prender e arrebentar com aquele grito de “Acabou, p….”.
Não foi o único a baixar a bola ao notar que não só não acabou como a efetiva reação aos abusos de cunho autoritário está só começando. Resultado dos procedimentos legais que agora substituem a fase dos protestos apenas formais, como manifestos e notas de repúdio a isso ou àquilo.
O pessoal das “extremas” deu uma boa recuada diante da virada de chave que, por enquanto, não está claro se será permanente ou momentânea. De qualquer modo, é notável ver o presidente Bolsonaro falar que faltou “precaução” a Abraham Weintraub na confraternização com os trinta acampados, bem como chama atenção ouvir Flávio Bolsonaro dizer que “não é hora de radicalizar” e o irmão Carlos prometer aos colegas da Câmara Municipal do Rio de Janeiro se “comportar melhor”.
Quem os viu mandando todas as brasas sobre adversários e quem os vê amenos num repente obviamente detecta a razão do improviso: a percepção de que esticaram a corda a ponto do risco de uma ruptura na qual estariam do lado mais fraco, e não na condição prevista dia desses por Eduardo Bolsonaro ao se jactar de que a quebra da normalidade institucional já não era questão de “se”, mas de “quando”.
A desvantagem agora tacitamente admitida decorre do cerco imposto por ação da legalidade, cujo efeito não deixa muita escolha aos infratores: ou se enquadram ou caem na marginalidade explícita. A recente ofensiva na aplicação rigorosa das leis levou esse pessoal, ainda que no modo simulação, a optar pela primeira hipótese.
O avanço dos inquéritos desarticulou a engrenagem da rede de notícias falsas e também tende a dispersar os manifestantes antidemocráticos que se imaginavam protegidos pelo preceito da liberdade de expressão que ferem ao defender o império do autoritarismo e do qual passaram a ter medo de ser punidos pela força do estado de direito. Daí o passo atrás.
Publicado em VEJA de 24 de junho de 2020, edição nº 2692