Se concordassem com o que disse o ministro Luiz Fux, o próximo presidente do Supremo Tribunal Federal, a respeito do papel das Forças Armadas, o presidente Jair Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão e o ministro da Defesa Fernando Azevedo estariam dispensados de se manifestar. Não foi o que fizeram.
Em nota divulgada ontem à noite, os três disseram que as Forças Armadas não cumprem “ordens absurdas” como a tomada de poder, mas que também não aceitam julgamentos políticos que levem à tomada de poder “por outro poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos”.
Bolsonaro voltou a afirmar que lembra “à Nação Brasileira que as Forças Armadas estão sob a autoridade suprema do Presidente da República” e que “as mesmas destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Horas antes, Fux expediu liminar para disciplinar regras de atuação das Forças Armadas à luz da Constituição. Disse que o poder de “chefia das Forças Armadas é limitado” e que não há margem para interpretações que permitam sua utilização para “indevidas intromissões” no funcionamento dos outros Poderes.
Segundo o ministro, em linha com seus demais colegas de tribunal, “a missão institucional das Forças Armadas na defesa da Pátria, na garantia dos poderes constitucionais e na garantia da lei e da ordem não acomoda o exercício de poder moderador entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário”.
No início da semana, o ministro Dias Toffoli afirmou: “As Forças Armadas sabem muito bem que o Art. 142 da Constituição não lhes dá o papel de poder moderador”. E Gilmar Mendes, que cabe a elas “proteger os poderes constitucionais e atuar na defesa da lei e da ordem”. Interpretar a Constituição é tarefa do Supremo Tribunal.
E assim terminou a semana onde Bolsonaro, aos olhos de alguns observadores da política, parecia disposto a não confrontar mais os demais Poderes e nem a desatar mais crises que só tencionam o país. Bolsonaro jamais deixará de ser o que sempre foi – um militar anarquista com vocação de ditador. É da sua natureza.
E pelo jeito, não só da dele. O general Mourão, quando na ativa, chegou a ser punido por declarações políticas consideradas incorretas. Na campanha eleitoral de 2018, admitiu que o governo pudesse aplicar um “autogolpe” para se fortalecer. Como vice, fantasiou-se de cordeiro. Recentemente, despiu a fantasia.
A falsa mansidão de Bolsonaro não o impediu em menos de uma semana de assinar uma Medida Provisória para permitir que o ministro da Educação nomeasse interventores de universidades durante o período da pandemia. Por ferir a Constituição, o presidente do Senado devolveu a medida e Bolsonaro a revogou.
Também não o impediu de estimular seus devotos a invadirem hospitais a pretexto de filmá-los e conferir se estavam vazios. Missão dada, missão cumprida. Um grupo de cinco invadiu o Hospital Ronaldo Gazolla, unidade de referência no tratamento da Covid-19, no Rio, chutou portas e derrubou computadores.
Por ordem de Bolsonaro, o Ministério da Saúde tentou esconder o número de mortos pela doença, recuando em seguida graças a uma mais uma decisão do Supremo Tribunal Federal. O Ministério da Mulher e dos Direitos Humanos não fez diferente: em relatório, omitiu os dados sobre a violência policial no país.
Porque hoje é sábado e ainda restam horas para que a semana termine, não se pode descartar a produção de novos fatos por um governo empenhado em normalizar a insanidade. A propósito: o ministro da Defesa de Bolsonaro será outra vez obrigado a explicar em nota o que quis dizer na nota anterior? Já fez isso duas vezes.
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