O ex-presidente Michel Temer aproveitou a live com o jornalista Magno Martins, parceiro deste Blog, na noite dessa quinta-feira, para fazer desabafos e revelações surpreendentes.
Sobre o impeachment de Dilma, no qual é acusado sempre de ter conspirado ao lado do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, afirmou ser falso. “Nunca trabalhei para derrubar Dilma nem tampouco acho que Eduardo assim agiu. Eduardo, aliás, chegou a informar que arquivaria todos os pedidos de impeachment, mas no dia seguinte foi açoitado pelo PT e teve que mudar de posição”, afirmou.
Sobre esses bastidores e outros do seu Governo, informou que está lançando em breve um livro. Temer revelou também ter sido vítima de uma perseguição implacável do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afamado bebum. Quanto à crise nacional, disse que está faltando diálogo e que aceitaria compor um Conselho de Notáveis do Governo.
Veja abaixo a sua íntegra da entrevistas ao Blog de Magno Martins
Como o senhor vê o quadro atual do País?
Eu tenho dado entrevistas e dito que nós temos uma crise sanitária muito preocupante, uma crise econômica e, além disso, uma crise política, desde a saída do ex-ministro da Justiça (Moro). Tenho pregado a ideia de união daquelas que conduzem o País. De um lado, os setores Executivo, Legislativo e Judiciário e do outro os governadores. Essa aliança é importantíssima, porque estamos falando em preservar vidas. Entre o valor da vida e economia, a vida é bem mais significativa. É uma tristeza muito grande das famílias enlutadas. As vidas se vão, a economia se recupera. Mas é preciso que todos se unam para combater a pandemia. O presidente deveria chamar mais uma vez os governadores, os presidentes da Câmara, Senado, Supremo, partidos políticos… esse vírus pega gente de qualquer partido. Então, todos tem que unir. Vamos deixar as brigas para depois. Neste momento, temos que congregar. Houve uma reunião do presidente com os governadores e, naquela tarde, percebi que houve uma um relaxamento da tensão. As pessoas se trataram cordialmente. Mas aí depois veio o vídeo da reunião e se desfez tudo. Mas poderia haver uma aliança.
O senhor sempre foi um político marcado pelo diálogo. Está faltando diálogo neste Governo?
Eu acho que falta de todos com todos. Eu assumi o G Governo em uma situação especial, e havia uma oposição. Mas eu não dava atenção a esse movimento, mas o diálogo sempre foi minha força fundamental. Fui três vezes presidente da Câmara dessa forma. E chegando no Executivo, chamei o Congresso pra governar comigo. Isto permitiu que nós levássemos adiante o governo e que fizéssemos as reformas necessárias. E quando havia crise, eu montava um gabinete de crise, mas comandava aquilo com diálogo. Resolvemos a crise dos caminhoneiros em 10 dias dessa forma. E em democracia, é assim, se faz com diálogo.
O senhor, inclusive, foi ministro da Articulação. Mas o que aconteceu que o senhor não foi à frente nesse processo?
Eu sempre tive uma relação cerimoniosa com a ex-presidente Dilma. Ela pretendia nomear o ministro Padilha para esse Ministério. Mas ele me disse que não poderia aceitar. Quando eu comuniquei a ela, ela já disse que tinha que ser eu. Mas eu disse que como vice não poderia. Mas ela disse que mudaria as funções para caber. E eu disse que aceitaria. E aprovamos rapidamente medidas provisórias complicadíssimas. Mas eu confesso que naquele momento a relação era um pouco tensa entre Governo e Congresso. E havia coisas que precisavam ser resolvidas e eu pagava com meu cartão de crédito. Três meses depois, fui a ela e vi que alguns ministros não faziam o que eu passava. E eu cheguei na presidente e disse que precisaria pagar o meu cartão de crédito. Mas aí ela me disse que era melhor não conversar com esses ministros que não cumpriam o que era pedido. Na verdade, havia uma preocupação com minha presença no Planalto. Então, eu disse que não podia continuar e ela falou para eu ficar na “macro política”. Como a macro política não é nada, então não continuei.
Quando o senhor percebeu que a Dilma não ia dar certo e ia acontecer o impeachment?
Nós lançamos, através do meu partido, um documento chamado de Ponte para o Futuro. E o ministro Joaquim Levy disse que havia uns três pontos que já podiam ser aplicados. Mas a Dilma tomou aquilo como se fosse um documento de oposição. E houve um integral afastamento em relação a mim. Ali eu percebi que não poderia dar certo. Mais para frente houve a história das pedaladas, movimentos populares com a economia indo mal. Em relação à corrupção, eu sempre disse que não havia nada. O problema dele foi político. Relação com o Congresso, economia ruim, o povo na rua… além dos escândalos do PT. Tudo isso colaborou para a perda de legitimidade do Governo. Por isso foi derrubada pelo Congresso. No meu caso, não tive transição. Porque aqui no Brasil é uma coisa curiosa. Sempre tentam impedir o vice de assumir. No meu caso, disseram que foi golpe e aquela coisa toda. Nos Estados Unidos, por exemplo, isso é bem diferente. Você perceba que toda vez que o Trump aparece, o vice está ao lado dele. No tempo do Obama, na caçada a Bin Laden, o vice estava na sala de decisões, junto com a secretária de Estado. O vice precisa saber de tudo. Aqui no Brasil, não. O vice é escanteado. É uma pena que seja assim.
Eu me lembrei de Marco Maciel, que era diferente. Tinha uma relação próxima com FHC.
Eram duas figuras extraordinárias. Fora a amizade. Marco Maciel tinha uma elegância muito grande, assim como Fernando Henrique. Dessa maneira eles conseguiram conduzir o governo com muita tranquilidade.
No impeachment de Collor, se diz que Itamar Franco teria trabalhado pelo impeachment. E no de Dilma, se diz que o senhor também teria conspirando. Como o senhor analisa isso?
Como uma falsidade. Quando se soube que a Câmara iria julgar, pouco tempo depois, eu vim para São Paulo. Porque o vice sempre é suspeito. E fiquei em São Paulo várias semanas, só voltei quatro dias antes, porque estava começando a pegar mal, o fato de eu estar fora de Brasília. E eu nunca trabalhei pelo impeachment. O que eu tentei fazer foi tentar evitar. Um dia o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, disse que ia arquivar os pedidos de impedimentos, pois o PT estava dando apoio a ele, embora tivessem dois pedidos complicadíssimos. Naquele mesmo dia, houve uma reunião, eu fui à biblioteca, a presidente estava lá e eu disse que ela podia dormir tranquila, pois o presidente da Câmara ia arquivar. No dia seguinte, o PT fez declarações ferozes contra o Eduardo. Daí ele mudou de ideia e deflagrou o processo. Tentei evitar, mas não foi possível.
Então, pelo que o senhor diz, quem contribuiu para o impeachment dela foi o próprio PT?
Se o PT continuasse na linha de apoiar o Eduardo Cunha, acho que o rumo da história seria outro. Ele seria um aliado dela. Mas quem derruba presidente é o povo nas ruas. O povo sensibiliza o Congresso, de maneira que ele vote favoravelmente.
Mas pelo que se comentava na época, quem levou esse processo à frente, até por uma questão pessoal foi Eduardo Cunha, não?
Não sei se foi só ele não. Aquilo tomou conta do Congresso. Havia muitos grupos trabalhando pelos votos necessários. Ele deflagrou, mas as pessoas se uniram nas ruas. Acho que foi isso que aconteceu.
No dia que o senhor recebeu Joesley Batista no Palácio e ele gravou aquela conversa, houve uma indignação. Aquele fato lhe causou revolta? O senhor foi traído por ele?
Como um cidadão entra no Palácio e grava o presidente? É muito grave. Aí alardeou-se uma frase que teria sido dele e não foi, que tinha sido “vou dar dinheiro ao deputado Fulano” e que eu teria tido “mantenha isso”. Foi traumático. Mas eu sabia que não havia tido esse tipo de diálogo. Ele não havia me dito aquilo. Ele havia dito “estou de bem com ele” e eu falei “mantenha isso”. Aí cinco dias depois, quando divulgaram o áudio, detectou que não havia aquela frase divulgada. E a história sempre faz justiça a verdade. Fui absolvido de forma sumária. Mas ele fez mal ao aspecto moral, que foi recuperado. Eu lembro que nem foi possível avançar com a Reforma da Previdência, por conta de toda aquela confusão. E interessante, se nós tivéssemos aprovado naquele momento, o Brasil tinha ganho dois anos da Reforma, mas este gesto do Procurador Janot, eu tenho até pena, por que ele quis o meu mal. Eu quero o bem dele, coitado. Que a luz o proteja.
O Gilmar Mendes disse que ele queria cassar o senhor bêbado.
É o que dizem. Eu tomo cuidado com isso, mas ele no livro diz que tinha na geladeira uma “farmacinha” e que toda tarde ia beber. Não sei, mas eu peço que Deus o ajude.
Em relação ao Joesley, algumas pessoas acharam que ele era um herói, outras bandido. Qual sua avaliação?
Eu acho que ele conduziu muito mal. Não quero usar expressões fortes, mas ele, coitado, estava pressionado pela Procuradoria. Os procuradores queriam que ele trouxesse o presidente para a delação. E eles ouviram e era inconclusiva a parte que eu falo. Não tinha como incriminar. Mas quando chegou nele (Janot) ele resolveu levar adiante. Porque se fosse pelos auxiliares, não iria adiante.
Essa delação não foi arquivada ainda?
O importante é que ela foi proposta por três ex-procuradores. A Raquel Dodge e o Augusto Aras também. E está há dois anos lá, sem julgamento. Mas vai ser julgado dia 17. Vamos ver o que o Supremo vai fazer. Estou tranquilo. Tenho tido o apoio de vários setores sociais e do Judiciário. Mas eu já sei que muitos acham que a gravação é imprestável. Eu tenho uma sentença favorável e suponho que o STF vá na mesma linha. Isso me chateou demais, principalmente para mim que tenho uma vida sem mácula. A história vai revelar a verdade.
O senhor considera que a prisão do senhor foi o maior golpe da sua vida?
Foi. Por causa da falta de razoabilidade. Eu sou da área de justiça. Se alguém chega pra mim e diz que tem um mandado para que eu o acompanhe, eu acompanho. Mas não fizerem nada disso. Avisaram a imprensa, a imprensa veio para a porta da minha casa, três quadras depois, veio a Força Nacional com bazuca, lança-mísseis e etc pra pegar um cidadão que não representava perigo. Eu fui ao Rio de Janeiro e vi que os delegados estavam sem graça com aquela situação. Tanto é que a sentença do juiz não durou nem três dias. Mas foi uma coisa desagradável. Mas ao mesmo tempo, houve uma solidariedade comigo que até me comoveu.
O senhor não está aproveitando este tempo em casa de pandemia para escrever memórias?
Vai sair daqui um mês um livro que eu conto a história do meu Governo e minha vida. Gravei umas 23 horas de entrevista e isso converteu-se num livro. Não é exatamente sobre esse episódio, mas eu conto essa parte, também. Queria aproveitar só esse momento para dizer que apesar de não ter popularidade, fiz coisas aí para o Nordeste, uma dela, uma MP que resolvia o problema de 800 mil pequenos agricultores do Nordeste. Era de repactuação de dívidas.
Já que o senhor falou isso, no seu governo, o senhor escolheu cinco ministros de Pernambuco.
Tinha até uma certa queixa de outros Estados (risos). Mas eram ótimos. Todos eles colaboraram muito comigo. No caso da transposição do São Francisco, eles vieram várias vezes no meu gabinete para gente continuar com as obras.
O senhor deu cinco ministérios a Pernambuco, mas o PSB era um crítico do seu Governo. O PSB chegou a pedir alguma coisa?
Eles tinham contatos com os Ministros e os Ministros atendiam. Eu lembro que o Paulo Câmara me pediu uma GLO (Garantia de Lei e Ordem). Eu mandei as Forças Armadas para Pernambuco a pedido dele. E ele deve ter feito outros pedidos. E eu não dou atenção a essa coisa de fazer distinção entre os governos. Porque é do partido tal, eu não vou atender, não tem isso. Porque quando se faz isso, não é Governador que está pagando por isso, é o povo que mora nesse Estado. Nunca levei em conta isso.
Se não tivesse acontecido aquele episódio o senhor acha que teria sido reeleito?
Eu não saberia dizer. Mas as coisas estavam indo bem. A economia estava crescendo. Eu peguei o governo com PIB negativo. E um ano e sete meses depois, colocamos ele para positivo. Eu não sei o que aconteceria. O que sei é que o ex-procurador Janot queria me tirar da disputa, para eu não me reeleger nem nomear ninguém. Mas não seria improvável eu ser reeleito.
Onde o senhor errou?
Na maioria das vezes, acertei. Um dos meus erros, foi o meu jeito de atender as pessoas sem nenhuma prevenção. Se eu fosse mais cuidadoso, o rapaz não entraria lá com aquele gravador vagabundo. Eu poderia ter colocado detector de metais, etc. Não me arrependo de ter trazido o Congresso para governar comigo. O problema é que aqui no Brasil, parece que o Presidente não pode conversar com outros poderes. Eu conversava muito com o Gilmar Mendes e ele até formulou alvo no sentido de um semiparlamentarismo. E eu confesso que se não é hora de pensar numa coisa dessas pra 2022 e 2026, que aí você elimina um trauma institucional. Nós já tivemos dois impeachments e agora já estão falando em outro. Se você tiver semiparlamentarismo, haverá um primeiro-ministro e se houver um problema, o governo cai, mas logo se ergue outro. O parlamentarismo puro, não dá. A gente tem uma vocação centralizadora muito grande, desde o Brasil colônia. Mas essa união entre Legislativo e Executivo seria muito positiva, desde que muito bem explicado para o povo.
Falta interlocução política no Governo Bolsonaro e o senhor é craque nisso. O senhor aceitaria um convite do presidente para um Conselho de Notáveis?
(risos). Eu não sou notável, sou comum. Fiz uma carreira pública de relativo sucesso. Mas se houvesse, eu ficaria honradíssimo. Há um reconhecimento pelo que eu fiz no meu Governo.
Seria uma situação mais para orientar o presidente, já que ele tem um temperamento muito difícil.
Eu não diria para orientar, mas para ele ouvir. Há uns 45 dias atrás, eu estava em casa e dei um telefone ao Presidente para dar um palpite. E ele tem sido muito razoável comigo e reconhecido o que eu fiz. Eu falei a ele que ele deveria decretar um isolamento social por uns 12 dias e dizer que vai fazer uma revisão desse tema daqui a 12 dias. Dessa forma, ele iria centralizar a decisão e tranquilizar o povo. Ele disse que era uma boa ideia, mas não fez. No outro dia, ele foi para feira em Taguatinga.
Há um risco de ruptura institucional no País?
Eu não creio. Nossas instituições estão funcionando solidamente. Ruptura de quem? Quem vai dar golpe no País? Para dar um auto-golpe precisa ter apoio de alguém. As Forças Armadas são cumpridoras da Constituição. Tenho absoluta convicção que as Forças Armadas não entrariam numa situação dessa natureza. Precisamos ter equilíbrio e moderação e dialogar bastante, caminhando para a manutenção da democracia.
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