Ao menos no Brasil, todo liberal é um ex-intervencionista com dinheiro em caixa. Consequentemente, todo empresário defensor de incentivo fiscal é um liberal falido. Quando a barra aperta, o universo liberal míngua, visivelmente. E onde havia dúzias de entusiasmados pregadores contra a intervenção estatal na economia – principalmente contra o funcionamento de mecanismos de regulação – aparecem, do nada, defensores da ação estatal para garantir sustentabilidade econômica e o conforto material… dos pobres.
Eis outra verdade para a qual não costumamos dar muita atenção: todo falcão liberal, normalmente inconformado com a legislação trabalhista retrógada, usa a miséria dos seus empregados como argumento ao pedir apoio do governo para seus negócios, assim que estes começam a migrar rumo ao brejo onde as vacas se atolam…
Observe a fumaça branca que já escapa das sedes de nossas federações das indústrias. Esta semana, os industriais cearenses, em documento divulgado pela FIEC, observaram que a pandemia do coronavírus demostrou “uma certa dependência do mercado mundial com produtos chineses”. Certa dependência, entende?
Como consequência desta percepção, tão clarividente, pra não dizer o contrário, expressaram candidamente a esperança de que uma decisão – governamental – poderia reduzir as trocas comerciais do Brasil com a China e abriria a possibilidade da substituição dos importados chineses por produtos fabricados por eles, industriais cearenses, nos arredores de Fortaleza.
Ora, estes mesmos industriais cearenses – como na fábula, foram eles ou seus pais e avós – deram sustentação política para medidas liberalizantes adotadas desde o governo Collor, que abriram as fronteiras do Brasil para produtos chineses. Lembra do famoso “Consenso de Washington”? Neoliberalismo na veia? Pois é, há quem lembre.
Justiça seja feita, os cearenses não estavam em campo sozinhos. Estavam com eles seus colegas baianos, pernambucanos… Tem muita gente com saudade do ouro branco do sertão paraibano. Mais de trinta indústrias têxteis pernambucanas viraram templos evangélicos. Uma coisa tem tudo a ver com a outra. E com a invasão dos produtos chineses.
Não pretendo polemizar com quem disser que isto era inevitável. Só me permitirei quebrar o silêncio se alguém – como a diretoria da FIEC, ou da FIEPE – vier dizer que está surpreso com o rumo que as coisas tomaram. Ou para pedir que os meus impostos, os quais acham imoral que sirvam para pagar bolsa família ou aposentadoria de trabalhador rural, sejam direcionados aos seus cofres vazios, para salvar seus empreendimentos falidos.
O pós pandemia será um tempo desafiador no mundo todo. No Brasil, e principalmente no Nordeste, será triplamente desafiador. Os empresários que pediram e obtiveram uma reforma trabalhista que precarizou o emprego, reduziu a massa salarial e multiplicou o desemprego, vão por as mãos na cabeça com suas empresas enxutíssimas, organizadas para produzir a custos cada vez mais baixos, mas inviabilizadas por não terem compradores para suas mercadorias.
Henry Ford, o americano que inventou o automóvel, a linha de montagem e a partilha dos lucros com os empregados, dizia que seu negócio só seria viável se seus empregados pudessem comprar os carros que fabricavam.
Como as coisas vão, não há certeza se nossos desempregados, ou subempregados, terão dinheiro para comprar o fubá e o café de cada dia. Neste caso, precisarão muito mais de ajuda governamental, tipo programa de renda mínima, do que empresário que fala mal do governo em época de fartura e vira desenvolvimentista quando as contas não fecham.
MaisPB