Prefiro ver os carros passando – Heron Cid
Bastidores

Prefiro ver os carros passando

28 de maio de 2020 às 09h25 Por Heron Cid

A gente ficava na calçada da igreja católica, na BR-230, assistindo aquele vai e vem.

Eu curioso pela quantidade dos automóveis que cortavam a monotonia daquelas manhãs de cidade pequena em que pouco ou nada se tem para fazer.

Lembro na cena de Autair, F.Assis e Eliomar. Acho que eles nem recordam mais. Faz tempo. Duas décadas.

Enquanto a conversa sobre qualquer coisa rolava, eu contava em silêncio e divagava. Quem eram os passageiros? Para onde iam? O que faziam da vida? Até sumirem da vista asfaltada.

Da varanda, agora na cidade grande em quarentena, os carros passam aqui debaixo dos meus pés na rua em frente.

Eu tenho que escrever sobre a rumorosa operação das fake news, a legalidade ou o abuso do despacho de Alexandre de Moraes, a nova crise do STF e o Governo.

Mas, estranho, eu prefiro ver os carros passando.

Tenho que relatar algo sobre o vídeo da blogueira Sara Winter, alvo da operação. Acabei de conhecê-la (como sou ignorante e estou por fora!). Ela é ex-líder de movimento feminista e agora coordena a formação de bolsonaristas. Foi Wallison Bezerra que me apresentou o vídeo em que a distinta moça revoltada com o ‘absurdo’ convida o ministro Moares para trocar socos, chama a excelência de ‘arrombado’ e promete infernizar a suprema vida.

Mas, que coisa, eu prefiro ver os carros passando.

Preciso falar sobre o blogueiro Allan dos Santos, outro alvo da ação. Já da existência do ex-professor de inglês soube um pouco antes, graças a um desses protestos de sempre a favor do presidente e contra tudo. Ele estava lá. Cobrindo? Não, protestando. Foi pela foto estrelada pelo rapaz de frente ao STF dando o dedo à Corte. É famoso e tem milhares de seguidores. Só numa live liderada por ele ontem passou de 100 mil.

Mas, oh céus, eu prefiro ver os carros passando.

Alguém vai entrar neste Blog e verá que o artigo de ontem ainda não foi atualizado por coisa melhor. Ou menos ruim. E tem tanta coisa para falar. Os textos passeiam soltos no juízo e estão na ponta da língua. Digo melhor, dos dedos… Que não estão em riste, nem em ‘V’ e nem naquela posição obscena.

Mas, meu Deus, eu prefiro ver os carros passando.

A cidade lá embaixo fita meus olhos. Marly, minha mulher ali do lado, já chamou duas vezes para tomar café. Disperso, mal ouvi. Hoje, eu só ouço o barulho dos pneus no calçamento. Ela eleva o tom de voz para se fazer ouvida e intima de novo.

Mas, meio anestesiado (ou seria entediado?!), eu só prefiro ver os carros passando. E já nem conto mais…

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