Noite de 23 de outubro de 2018, véspera de segundo turno presidencial. Rio de Janeiro.
Para uma plateia vermelha e diante de um palanque lotado das principais lideranças de esquerda do Brasil, uma voz rompeu as palavras de ordem contra o ‘fascismo’ e empalideceu o ambiente.
O rapper Mano Brown, um dos convidados do evento, disse o que ninguém imaginaria ouvir no próprio terreiro, olho no olho, cara a cara.
“A cegueira que atinge lá, atinge aqui também”. “O que mata a gente é a cegueira e o fanatismo”.
As duas frases, entre outras, cortaram “feito faca”, como cantou décadas atrás Belchior.
Era o excesso de sinceridade do músico, atestando o diagnóstico visto a olhos nus: o PT havia se perdido e o preço a ser pago seria a iminente derrota.
Saiu da boca do rapper, não de Caetano ou de Chico, artistas mais refinados, a provocação a uma autocrítica que, até hoje, não veio.
Um dedo na ferida latente do radicalismo que só consegue enxergar defeito e extremismo no cisco do olho alheiro, enquanto o próprio está cego por uma trave.
Quase dois anos se foram e o alerta d Brown a todos os manos brasileiros por discernimento e capacidade crítica continua contemporâneo e mais atual do que nunca.
No poder, o bolsonarismo se impõe pelo radicalismo cego e encara o presidente como ser supremo, infalível. Aconteça o que acontecer, faça o que fizer. Erre como errar. Ruim para o próprio governo que tende a se achar ainda mais absoluto.
Falta um “Mano Brown” por lá.