O presidente Jair Bolsonaro reuniu a cúpula das Forças Armadas no sábado, dia 2, e no dia seguinte, revigorado, atacou outra vez. Nunca a cúpula foi tão cúpula quanto na reunião do sábado: ministro da Defesa, comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica e os três generais-ministros do Planalto. Uma reunião “au grand complet”, como se diz em fino francês, para não dizer: “tava lá a galera toda”. O ataque do domingo foi aos dois maiores inimigos do presidente, o combate à pandemia e as instituições. Por mais de uma hora ele acenou e sorriu, a estourar de felicidade diante de uma turba que, aglomerada de jeito a dar água na boca do vírus, pedia o fechamento do STF e do Congresso e intervenção militar. Deslumbrado, o presidente declarou no fim que perdera a paciência, ia agir, e arrematou: “As Forças Armadas estão conosco”.
A manifestação foi um repeteco da que ocorrera duas semanas antes, e, como naquela vez, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, julgou necessário divulgar uma nota. Nela, a tecla positiva foi lembrar que Exército, Marinha e Aeronáutica são “organismos de Estado”, e a tecla negativa, tratar a baderna subversiva como fenômeno inerente à “liberdade de expressão”. De novo, o ministro preferiu um palavreado de soma zero, deixando no ar a conclusão de que as Forças Armadas, na melhor das hipóteses, estão tontas, e, na pior, são cúmplices.
É melhor mudar de assunto. O ministro da Saúde, Nelson Teich, desprezou, em favor do terno e gravata, o colete do SUS com que seu antecessor se apresentava nas entrevistas coletivas. Não é pouca perda. Vestir a camisa do SUS foi um gesto simpático e pedagógico do então titular da pasta. Lembrava aos brasileiros que eles possuem um dos maiores sistemas universais e gratuitos de saúde do mundo e, implicitamente, pregava a necessidade de prestigiá-lo e fortalecê-lo. O SUS, fruto do mais atrevido e generoso sonho dos autores da Constituição de 1988, foi inspirado no National Health Service, o serviço nacional da saúde dos britânicos. O primeiro-ministro Boris Johnson, ao curar-se da Covid-19, fez um emocionado discurso em louvor do NHS. No show de abertura da Olimpíada de Londres em 2012, o NHS foi homenageado.
No Brasil, primeiro o novo ministro sumiu com o colete, depois sumiu ele próprio. As entrevistas à imprensa tornaram-se raras. Só de vez em quando lá vem ele — e anuncia que toma pé, estuda, planeja. Antes, sumira também o Ministério da Saúde, engolido pelo Palácio do Planalto, onde passaram a se realizar as agora esporádicas entrevistas. Na segunda-feira 4, dispuseram-se a concedê-la dois dos generais da cozinha do palácio, Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos. Teich estava em viagem, mas se não estivesse outra desculpa haveria, e ele continuaria ausente. Um jornalista perguntou se uma aglomeração como a de domingo não facilitava a propagação do vírus. Braga Netto respondeu que essa pergunta deveria ser feita ao ministro da Saúde (mas cadê o ministro?), e em todo caso arriscou que “as pessoas têm a liberdade de fazer o que… desde que não haja ameaça à saúde do outro”.
Como se prestar a um papel desses, general? A patética necessidade de abordar a tragédia da pandemia à luz da tórrida cabeça presidencial permeou também a fala do general Ramos, iniciada com uma pergunta: “Por que vocês, jornalistas, não informam o número de pessoas curadas?”. Ramos elogiou as televisões Record, Band e RedeTV!, que noticiam as curas, e criticou “aquela emissora” que só fala de mortos e caixões. É curiosa a exigência do general. Equivale a pedir que, no caso de dez atropelados numa estrada, se noticie também que milhares não foram atropelados, ou, no caso de facada num candidato em Juiz de Fora, se acrescente a boa-nova de que muitas pessoas não foram esfaqueadas. No Ministério da Saúde ainda permanece, como ilha de lucidez, o diretor Wanderson de Oliveira, sobrevivente da equipe anterior, mas será por pouco tempo. Seu cargo está no balaio da negociação com o Centrão, e o favorito para preenchê-lo é um indicado do consagrado mensaleiro Valdemar Costa Neto.
Resta que contra o país das trevas existe o da luz. A Covid-19 levou Aldir Blanc, inspirado intérprete do Brasil, mas fica seu legado dos boias-frias que sonham com goiabada cascão na sobremesa, da glória inglória do almirante negro, dos dois pra lá e dois pra cá com um torturante band-aid no calcanhar, da solidão da crooner de tomara que caia, do bêbado e, sobretudo, da esperança equilibrista.
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