As investigações tratam da denúncia do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, que levantaram a suspeita de seis crimes cometidos pelo presidente, entre eles obstrução de justiça e corrupção passiva privilegiada. E também de um esquema criminoso de fakenews que aponta para a participação de Carlos Bolsonaro e outro que apura os atos antidemocráticos do dia 19 de março.
Enquanto Fernando Collor, que sofreu processo de impeachment em 1992, viu o papel principal do seu impedimento ser exercido pelo Congresso, mais especificamente numa Comissão Parlamentar de Inquérito, no caso de Bolsonaro dependerá, assim como no de Dilma Rousseff, em 2016, do protagonismo do Poder Judiciário – isso quando a preocupação com a Covid-19 se diluir na população.
“Sua Excelência o fato é que vai ditar o processo daqui pra frente. E a gente pode dizer, não é qualquer um, são os fatos que vão emergir ou que podem emergir a partir desses três inquéritos no Supremo”, explica Lavareda. “É um efeito dominó, é um castelo onde tem a carta do judiciário, a carta do Congresso, a carta da opinião pública. No momento, o bloco de cartas mais importantes são essas três do Judiciário, os inquéritos”, completa.
Se as primeiras cartas dependem da Justiça e de investigações da Polícia Federal, Bolsonaro começa em desvantagem. O STF já sinalizou, impondo sucessivas derrotas ao governo, que não se furtará ao seu papel de guarda da Constituição, e de apontar que todos, até os mais poderosos, se vergam sob ela. Na PF, um ponto também chama a atenção. Internamente agora, após as denúncias da tentativa do presidente de interferir politicamente em inquéritos, a ideia é reforçar imagem de independência do órgão na sociedade.
“Os inquéritos que vão ditar o encaminhamento do processo. Se não emergirem fatos novos e graves, isso aí tende a ir se decantando, e tudo volta ao leito da normalidade. Se emergirem fatos novos e graves, não há como a imprensa não ecoá-los, nem o Congresso deixar de pedidos de CPIs e eventualmente pedidos de impeachment dependendo do andamento e da opinião pública”, resume.
No último sábado, 2, o principal inquérito ganhou o seu start oficial. O ex-ministro da Justiça Sérgio Moro prestou depoimento à Polícia Federal em Curitiba (PR) sobre as tentativas de Bolsonaro de utilizar a Polícia Federal politicamente, para ter acesso a relatórios de investigação. O conteúdo já é de domínio público. A esta coluna, policiais afirmaram que o presidente pode ter ferido um principio constitucional.
Com o andamento deste inquérito, poderá a ser distribuído o segundo bloco de cartas. O da política, comandada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. No caso de um processo de impeachment, Maia atuará como um juiz. Por enquanto, o político carioca permanece colocando o foco no combate ao coronavírus, mas isso pode mudar à medida em que os inquéritos forem afunilando nas próximas semanas.
No compasso de espera das investigações oficiais, mora o terceiro e mais abstrato bloco do castelo de cartas, a opinião pública. É dela que emanam as lições dos dois impeachments pós redemocratização: para além dos inquéritos na Justiça, o amplo apoio popular pelo afastamento do presidente sempre esteve somado a uma base de apoio fragilizada no Congresso e a uma grave crise econômica, que já se apresentou.
Hoje há um empate técnico entre os que são favoráveis e os que são contrários ao impeachment: 45% dos brasileiros são favoráveis a abertura do processo de impedimento enquanto 48% são contra. Deve entrar nessa conta também o aumento daqueles que acreditam que o restante do mandato do presidente será ruim ou péssimo. Esse número subiu de 37% para 49%, sendo que apenas 18% continuam a ter expectativas positivas com o restante do mandato de Bolsonaro – tudo isso no pós demissão de Moro.
Em novembro de 2015, quando as revelações da Lava Jato estavam a todo vapor, 65% dos brasileiros afirmaram que a ex-presidente Dilma Rousseff deveria sofrer o impeachment, enquanto 30% eram contrários. Os dados são do Datafolha. Em setembro de 1992, 20 dias antes da abertura do processo contra Fernando Collor, 75% eram a favor e 18% contra, informa o mesmo instituto.
É por isso que a opinião pública também é muito importante, mas não determinante. “Vou dar o exemplo clássico, Michel Temer. Se a posição da opinião pública fosse determinante, Michel Temer teria sofrido o impeachment. Se a variável opinião pública fosse a única determinante ou a principal determinante, ele teria saído do governo. Eu diria que a variável opinião pública é uma condição necessária, mas não suficiente”, diz Lavareda.
“Para a gente falar em linguagem científica, vamos pensar os vetores: opinião pública – mercado é um segmento especial aí dentro – o Congresso e também o Judiciário. Então isso é um balé, uma dança entre essas três dimensões, com a movimentação de cada uma delas. Mas a bola no momento está, como disse, nos três inquéritos no Judiciário. Eles ditarão o andamento”, afirma.
Enquanto a pandemia do coronavírus vai postergando um eventual terceiro processo de impeachment após a redemocratização, as cartas vão sendo postas na mesa, como se o jogo ainda estivesse sendo preparado. A música, contudo, já começou a tocar.