Estelionato eleitoral é se eleger prometendo uma coisa e, depois, fazer o seu oposto. Lembra algo? Calma! Jair Messias Bolsonaro, que esta semana acusou seus desafetos de conspirarem para transformá-lo num pato manco, poderá ser lembrado por último.
Estelionato eleitoral, por exemplo, lembra o presidente Fernando Henrique Cardoso, que sucedeu a Itamar Franco. Para se reeleger em 1998, ele garantiu que o Real manteria seu valor em relação ao dólar. Eleito e reempossado, desvalorizou o Real.
Lembra mais o quê? Sim, Dilma Rousseff, que se reelegeu prometendo manter a política econômica do seu primeiro mandato, nada ortodoxa. Fez o contrário, para desencanto dos que votaram nela e horror do PT que passou a criticá-la.
Fernando Henrique não conseguiu eleger seu sucessor, o ex-ministro da Saúde José Serra. Para não amargar uma derrota fragorosa, Serra se apresentou como se fosse candidato de oposição ao governo. No caso de Dilma, ela foi derrubada.
Governantes procedem assim quando a realidade os contraria. Não o fazem necessariamente por maldade. Dão o dito pelo não dito para sobreviver. Fernando Henrique e Dilma sabiam que não teriam como honrar sua palavra. Esperavam retomá-la depois.
Não é o caso de Bolsonaro, incapaz de enxergar um palmo à frente. Ele acreditou que se imporia à realidade. Inventou formas bizarras de superá-la. E terceirizou a solução de problemas que seria incapaz de resolver por não ter se preparado para tal.
Em breve, o que restará das promessas que ele fez para se eleger? Combate à corrupção? Abandonada desde que a dupla dinâmica formada por Flávio, o Zero Um, e Queiroz, o seu faz tudo, passou a ser investigada pelo Ministério Público no caso da “rachadinha”.
O ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, expelido do governo por se opor ao aparelhamento da Polícia Federal, tem muito que contar a esse respeito. Suas principais iniciativas contra a corrupção foram sabotadas, ora pelo Congresso, ora por Bolsonaro.
Crescimento econômico? O pibinho de 2019 foi menor do que o pibinho deixado como herança por Michel Temer. O próximo será negativo – algo como menos seis por cento ou até pior. O projeto neoliberal do ministro Paulo Guedes foi para o espaço.
Bolsonaro prometeu governar em harmonia com os demais poderes? Em algum discurso, uma vez eleito, prometeu. Em campanha, não, porque não combinava com seu perfil. Pois vive em guerra permanente para dominar os demais poderes.
O presidente eleito para “quebrar o sistema”, agora com medo de que lhe abreviem o mandato, está prestes a se aliar ao sistema. O Centrão vem aí! Em breve, numa repartição de sua cidade, a fina flor do fisiologismo político estará em cartaz.
Centrão é como foi batizado o grupo de partidos que adere a qualquer governo desde que possa faturar cargos, emendas ao Orçamento da União, e outros favores impróprios de ser mencionados. Melhor, antes, retirarem as crianças da sala.
Foi na Assembleia Nacional Constituinte de 1988 que o Centrão nasceu. Inicialmente, sua razão de ser era contrapor-se à esquerda no debate das questões econômicas. De lá para cá, Centrão virou sinônimo de coisa ruim, que se vende em troca de sinecuras.
Bolsonaro não quer saber disso, não. Sem partido, sem base de apoio no Congresso porque nunca se interessou em construí-la, precisa, às pressas, de pelo menos o voto de 171 deputados para barrar na Câmara a abertura de um processo de impeachment.
Por isso ele declarou aberta a temporada do “é dando que se recebe”, uma máxima de São Francisco de Assis. Como, por aqui, o que o santo rezava acabou desvirtuado, Bolsonaro sempre poderá apelar para Lucas, versículo 6:38: “Dai, e ser-vos-á dado”.
É verdade que, segundo o apóstolo Paulo, Jesus ensinou: “Mais bem-aventurada coisa é dar do que receber” (Atos 20:35). Mas Bolsonaro e o Centrão pularam essa página da bíblia.
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