Livros? Queixa-se de que têm muitas letrinhas. Nem o livro de memórias do coronel torturador Brilhante Ulstra ele leu, embora um exemplar repouse intocado na mesinha de cabeceira do seu quarto de dormir no Palácio da Alvorada. Não é o lugar onde Bolsonaro sente-se mais à vontade, como já disse. Prefere o closet onde Michelle, sua mulher, guarda vestidos e sapatos.Mas foram estudos do Imperial College of London os responsáveis pela conversão à realidade de Boris Johnson, o primeiro-ministro do Reino Unido que teimava em ignorar a ameaça do coronavírus. Por sinal, Johnson pegou a doença, assim como seu ministro da Saúde e o príncipe Charles, herdeiro do trono inglês. A Rainha passa bem, refugiada em um castelo distante de Londres.
O Imperial College calcula que haveria em pouco tempo até 1 milhão de mortos se o isolamento social rigoroso decretado pelos governadores fosse trocado pelo isolamento social a meia bomba para idosos e infectados proposto por Bolsonaro. O que previsão tão catastrófica como essa significa para o presidente mais preocupado com a Economia do que com a vida das pessoas?
Nada. Infelizmente, nada, a julgar pelo que ele disse, ontem, em linha com declarações feitas em outras ocasiões. Disse: “Alguns vão morrer? Vão morrer, ué. Lamento. Essa é a vida, é a realidade”. E lembrou que não se para a fabricação de carros só porque eles matam 60 mil pessoas por ano. O mesmo raciocínio se aplicaria às armas, florestas queimadas, meio ambiente degradado.
A reação ao comportamento de Bolsonaro como exterminador do futuro está sendo de tal maneira forte que já se pode concluir que ele perdeu mais uma batalha – essa, talvez, a que o impeça de completar o mandato ou de ser candidato à reeleição. Os ministros que o cercam estão estupefatos com tudo os que ele tem dito e feito nos últimos 15 dias, e temem seus próximos passos.
Nem eles entendem por que Bolsonaro mais uma vez atravessou a rua para pisar em uma casca de banana – e que casca! Qual o seu plano? Qual o seu objetivo? Que vantagens imagina extrair do que se assemelha a delírios de uma pessoa com medo, com muito medo e descontrolada? Bolsonaro já não governa. Governa uma coligação formada pelo Congresso e a Justiça.
É uma situação que não pode durar até 2023 quando ele teria de vestir a faixa presidencial pela segunda vez ou transferi-la ao seu sucessor. Bolsonaro voltou a falar em golpe militar quando provocado por José Luiz Datena, apresentador de programa na Bandeirantes. Datena perguntou se ele pretendia dar um golpe. Resposta: “Quem quer dar o golpe jamais vai falar que quer dar”.
O que falou Bolsonaro, até outro dia causaria celeuma, ocuparia largo espaço no noticiário e provocaria discussões intermináveis que não chegariam a lugar algum – mas agora, não. Ninguém quer mais escutá-lo. O que se escuta só confirma a opinião consolidada a seu respeito. Mais uma pesquisa, a do Instituto Ideia Big Data, apontou que a popularidade de Bolsonaro está ladeira abaixo.
A pergunta que mais se ouve em cada canto de Brasília, em cada endereço da Avenida Brigadeiro Faria Lima, o mais importante centro financeiro do país, e em cada telefonema disparado do exterior para cabeças coroadas da República é: O que vai acontecer com Bolsonaro? Ou então: Até quando ele desfrutará das miçangas do poder apesar de não mais exercê-lo de fato?
Invariavelmente, a resposta é: Não sei. De todo modo, o general Hamilton Mourão, o vice-presidente que Bolsonaro qualificou de “tosco” em conversa com Datena, engraxa suas botas de montar, põe em ordem seus ternos, cavalga para manter-se em forma e recebe visitas acompanhadas à distância por espiões da Agência Brasileira de Informação, aparelho a serviço da família Bolsonaro.
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