Flávio Bolsonaro será julgado por outro juiz – não o da fase da investigação, Flávio Itabaiana –, caso ainda não tenha havido o recebimento de eventual denúncia contra o filho do presidente quando o juiz das garantias for implementado.
Apesar de ter adiado por 180 dias a implementação, Dias Toffoli acabou confirmando esta aplicação do artigo 2º do Código do Processo Penal, exatamente como comentei no Twitter em 27 de dezembro de 2019, após o Natal em que Jair Bolsonaro sancionou o referido jabuti do pacote originalmente anticrime, contrariando Sergio Moro.
“A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”, diz o CPP. “A competência do juiz das garantias” – o da fase de investigação – “cessa com o recebimento da denúncia ou queixa” e, uma vez “recebida a denúncia ou queixa, as questões pendentes serão decididas pelo juiz da instrução e julgamento”, diz o artigo 3º-C, § 1º da nova lei.
Nada do que Itabaiana tiver feito, portanto, será invalidado, como a quebra de sigilo bancário de Flávio Bolsonaro e de outras 93 pessoas e empresas. Considerando o princípio do juiz natural, ele ainda atuará até o fim da fase de investigação, mas outro juiz assumirá seu lugar na ação penal contra o atual senador se ela só for aberta após os 180 dias estipulados por Toffoli para a implementação do jabuti. Caso a eventual denúncia já tiver sido recebida até lá, Itabaiana será mantido também na ação penal.
Quando antecipei esta análise no fim do ano, os bolsonaristas espernearam, como de costume. Isto porque ela mostra que Jair Bolsonaro sancionou uma lei aprovada pelo Congresso que, em tese, poderia beneficiar seu filho 01, especialmente se entrasse em vigor em 23 de janeiro (como era previsto antes da liminar do presidente do STF em três ações que a questionaram, sob forte pressão dos cidadãos vigilantes).
Neste caso, haveria menos tempo para o Ministério Público do Rio de Janeiro denunciar Flávio Bolsonaro por desvio de recursos públicos em seu antigo gabinete na Alerj e lavagem de dinheiro — ou seja, bem menos de 180 dias (a rigor, nem 30) para garantir que a ação penal não caísse com outro juiz, eventualmente mais brando.
“O que me surpreende é um batalhão de internautas constitucionalistas, juristas para debater o assunto”, disse Jair Bolsonaro na ‘live’ em que tentou se defender contra as críticas à sanção do juiz das garantias. “E muitas vezes falam que eu traí, que não votam mais e ligam à alguma coisa familiar.” Na verdade, a possibilidade de que a decisão do presidente tenha uma consequência no caso de seu filho é real.
Mas cada um pode concluir se isto é apenas mera coincidência.
Crusoé