s ossos do ofício de consultor de crises me facultaram acesso profissional a muitos endinheirados, empreendedores que em algum momento estavam atravessando alguma polêmica titânica com a opinião pública, algo que poderia destruir tudo que haviam conquistado.
Guardo dessas interações as lembranças mais adoráveis de conviver com pessoas a quem sou grato, que me trataram com extrema cortesia mesmo em meio a intenso stress. Mas esse convívio me deixou também uma impressão que muitas vezes percebi e que sempre procurei compreender. É o tema aqui.
Encontre um filho desta terra a quem ela lhe foi pródiga; encontre este cidadão que galgou os píncaros da ascensão social; encontre esse indivíduo que acumulou tanto num país em que tantos ainda se esfalfam para garantir o básico; pois encontre essa improbabilidade estatística na pele de um vencedor ou de uma vencedora brasileira e você muito provavelmente encontrará alguém profundamente amargo, crítico e desiludido com o país onde ele prosperou.
Odiar o Brasil, falar mal dele, é um dos cacoetes mais cultivados de alguns que alcançaram sucesso. E quanto maior o sucesso, maior ainda será a acidez de todos os diagnósticos. O Brasil não funciona, os políticos não prestam, ninguém cumpre a lei, o governo (qualquer um) é um desastre e por aí vai. Bom mesmo? Bom mesmo são os outros, os outros lugares, as outras nações. Lá, sim, lá é que é bom.
É curioso, mas logo aqueles aos quais este paraíso foi mais generoso se tornam muitas vezes os mais inclementes carrascos de nossa nacionalidade. E quando alguns desses se juntam não há conversa que galvanize mais do que espinafrar a nação onde todos eles se tornaram o que são.
Da mesma forma que é elegante reverenciar uma obra prima de Picasso num museu, esculhambar com o Brasil é a mais chique das etiquetas em algumas rodas afortunadas.
Certa vez, fui tomar café da manhã com um dínamo do setor privado. Um gênio do empreendedorismo. Ele construiu do nada uma máquina de fazer dinheiro 100% privada e lucrativa. Seus méritos empresariais são inegáveis. Conversa vai, conversa vem, começa a ladainha: o Brasil isso, o Brasil aquilo. Eu realmente não estava nos meus melhores dias. Acho que não ingeri a dose inteira de ansiolíticos, sei lá. O fato é que pontuei:
– Por que você não vai embora? Porque não deixa tudo e vai fazer esse seu negócio num lugar lindo que nem a Bélgica ou a Espanha? Tente começar do nada, como você fez no Brasil, lá nos EUA?
Por uma dessas incríveis coincidências do destino, ele não me contratou. E nunca mais ligou. Acho que não identificou muitas afinidades em nossas visões estratégicas do negócio…
Antídoto prévio: não estou caçoando dos endinheirados. Seria uma generalização estúpida e uma caricatura grosseira dizer que todos os capitães de negócio brasileiros são ranzinzas e adoram falar mal do país onde conquistaram tudo pelas costas.
Convivi e convivo com muitos empreendedores apaixonados pelo país e suas críticas são em grande parte cabíveis e expressam um genuíno desejo de ver esta terra alcançar a plenitude de seu potencial.
O ufanismo não é a única maneira de progredir. E, sim, temos problemas e eles precisam ser enfrentados. E aqueles que fizeram mais podem contribuir mais, a começar com suas críticas e sugestões. Não está aqui nenhum repressor da crítica alheia. O ame-o ou deixe-o é um adesivo das ditaduras. Na democracia, ama-se através da crítica também. E muitas vezes através da crítica mais cruel.
Dito isso, refiro-me a um comportamento auto-depreciativo que tantas vezes percebi entranhado justamente no pensar daqueles que poderiam ter mais motivos do que todos nós para acreditar em nosso futuro com otimismo. E poderiam porque são a prova viva das oportunidades únicas que o Brasil é capaz de gerar, sobretudo para aqueles que trabalham duro e se dedicam com paixão a um sonho.
Acontece que, no meio do caminho, alguns desses que foram ungidos pela roda da fortuna brasileira adquirem uma visão de mundo mais ampla e passam a comparar o país com outras nações. E, em muitos casos, brota esse modismo do desdém dos salões. Comparam as calçadas dos países desenvolvidos com as nossas, as fachadas dos prédios limpinhas, os carros que não precisam ser blindados e pronto: o Brasil não presta!
Acontece que o Brasil, que tem defeitos sim, só tem a ganhar quando olhamos os outros experimentos que deram mais certo do que nós. Ok. Mas cada país tem a sua história, a sua saga, o seu caminho, a sua trajetória. A do Brasil é a do Brasil. Somos uma nação cuja capital, Salvador, foi invadida por 3.000 holandeses. Ou seja, habitar o país continental –simplesmente povoar esta terra– foi um enorme desafio (“90 milhões em ação, pra frente Brasil, salve a Seleção”, estávamos cantando isso em 1970, há apenas meio século. Hoje somos mais de 200 milhões).
Ocupar todo o –país simplesmente ocupar– é algo recente. Brasília fez 59 anos. Até então, vivíamos praticamente no Sudeste e no Sul do Brasil. Fomos a última nação do planeta a abolir a escravatura –ou seja, nosso ponto de partida foi a implantação de uma República por decreto e a herança de uma dívida social acumulada gigantesca.
Vendo de onde partimos e onde chegamos, é impossível não aceitar que o país deu enormes saltos. Isso significa que temos de estar satisfeitos e que criticar não é devido? Claro que não. O Brasil avançou porque não se acomodou. Olhar para os outros ajuda. Sempre. Mas o Brasil é o Brasil. Lamentar o que não somos não importa. O que importa é sermos o que podemos ser. O resto é tirada de salão.
Poder 360