Tito caiu. Ele cai o tempo todo. Até fiz um livro sobre isso. Nesta semana, porém, a queda foi pior. Ele perdeu dois dentes.
A imagem de meu filho banguela e gemendo de dor teve, para mim, o efeito de uma caveira num quadro de Hans Holbein: foi um alerta para a passagem do tempo e para a efemeridade dos bens terrenos. Por dois dias, tornei-me meditabundo, incapaz de me concentrar em assuntos mais rasteiros.
Esse estado de espírito, por sorte, passou. E voltei a tratar, com entusiasmo irrefreável, daquelas figuras que povoam minha rotina profissional, como Dias Toffoli ou o presidente da Funarte.
O fato de dedicar o tempo escasso que me resta a Dias Toffoli, e não a Hans Holbein, deveria causar-me uma angústia insuportável, mas o modelo de trabalho do nosso site, que se assemelha ao de uma galé, sufoca esse tipo de digressão.
O que eu posso dizer é que o modelo – por enquanto – funciona. 2019 foi um ano extraordinário para O Antagonista: 100 milhões de usuários únicos passaram por ele, duas vezes mais do que no ano passado. É desagradável falar sobre isso num momento de luto para a imprensa, em que ela perde leitores e é atacada por um bando de populistas (a propósito, Jair Bolsonaro arruinou o meu prazer de debochar da Folha de S. Paulo). Mas existe um caminho. Por mais banguela que esteja a imprensa, dá para fazer uma prótese. Sempre lembrando da caveira de Hans Holbein.
Crusoé