Nunca achei que fosse ser fácil. Mas também nunca achei que eles fossem tão audazes. Descubro-me ingênuo. Não perdi as ilusões quanto à imprensa, porque jamais as nutri. Exerço a segunda profissão mais antiga do mundo — tão necessária quanto à primeira, admito e defendo —, sem perder de vista a frase que Balzac emprestou a um dos seus personagens: “Um jornalista é um acrobata”. E mesmo jornalistas como eu, que tentam dar ordem a esse “lupanar do pensamento”, às vezes executam exercícios solo de acrobacia, porque não rara é a necessidade de abolir a bondade para “fazer-se mau” (Balzac e Balzac).
As minhas ilusões existiam em relação aos tribunais superiores. Apesar de todas e abundantes provas em contrário que tive nestes mais de 35 anos de jornalismo, eu ainda achava que havia juízes em Brasília. Juízes em quantidade suficiente para reconhecer que há limites para a discricionariedade que lhes é garantida pela Constituição. Os déspotas de toga, no entanto, sentem-se livres para interpretá-la livremente, com a sua jurisprudência de ocasião. E com ares de indignação por serem contrariados pela realidade que rebaixam a mera gritaria da opinião pública.
Quanto a esse ponto, o dos togados, a minha recomendação é também resistir. Resistir a impulsos autoritários, porque tal deve ser a diferença entre nós e eles. Fechar o STF não é opção. Mudar o STF, sim. E muda-se o Supremo por meio de voto. Convença-se: foi o país que elegeu indiretamente os atuais ministros do tribunal, porque foi o país que colocou na Presidência quem os escolheu, à exceção do decano Celso de Mello, indicado pelo paraquedista José Sarney. É um fato. Os senadores, encarregados de escrutiná-los e que poderiam controlá-los, mas viram as costas para a nação, foram igualmente eleitos pelos brasileiros, não adianta fugir dessa obviedade. O mal, então, estaria na democracia? Resista a impulsos autoritários, repito, inclusive do ponto de vista pragmático. O cesarismo nunca resolveu nada no Brasil e em nenhuma parte do Ocidente e as suas adjacências, caso da América Latina. O mal, então, estaria nos brasileiros? Recuso-me a responder à minha própria pergunta. Estou irritado e mortificado, mas vou resistir ao meu impulso generalizante. Resista a si próprio, recomendo. Até porque a questão permanece em aberto desde os tempos de José Bonifácio (ainda ensinam sobre ele?). Disse Bonifácio:
“Os brasileiros são entusiastas do belo ideal, amigos da sua liberdade e mal sofrem perder as regalias que uma vez adquiriram. Obedientes ao justo, inimigos do arbitrário, suportam melhor o roubo do que o vilipêndio; ignorantes por falta de instrução, mas cheios de talento por natureza; de imaginação brilhante e por isso amigos de novidades que prometem perfeição e enobrecimento; generosos, mas com bazófia; capazes de grandes ações, contanto que não exijam atenção aturada e não requeiram trabalho assíduo e monotônico; apaixonados do sexo por clima, vida e educação. Empreendem muito, acabam pouco. Serão os atenienses da América se não forem comprimidos e desanimados pelo despotismo.”
Sem mais, desligo.
Crusoé