A depender do discurso proferido logo após deixar o cárcere, o ex-presidente Lula está disposto a esgarçar todo seu prestígio eleitoral na desconstrução do presidente Jair Bolsonaro.
Nem esfriou a cadeira da cela, o petista mandou brasa dando o tom do que deve ser sua estratégia de retomada do poder com o PT.
Quem esperava alguma fala mais paz e amor, enganou-se. Lula vem para manter a guerra e o país em labaredas. Encontrará uma fogueira acesa pela gasolina dos Bolsonaro.
Para quem passou 580 dias preso, o sentimento humano da revanche chega a ser natural, mas, se quiser ampliar o raio de influência, o líder nacional petista deve ir além das bravatas, frases de efeito e palavras inflamadas.
É preciso virar um discurso já cansado e repetido e se reconciliar com setores com quem perdeu a liga, parte da sociedade que deixou de votar no PT pelas frustrações com mensalão e petrolão, dois episódios que até hoje o partido não fez uma necessária autocrítica e nem muito menos se desculpou com o Brasil pelos malfeitos.
O país precisa de uma oposição madura, responsável e organizada, indispensável à democracia e antídoto contra totalitarismos, de esquerda ou de direita.
Por si só, a volta de Lula ao front impacta profundamente o cenário. Ele já dava cartas de dentro da cadeia. Agora, terá espaço, tempo e o carisma que nenhum líder da esquerda desfruta para fazer o confronto direto com políticas e posturas do atual governo.
A esquerda, até então atônita e perdida, tende a se reorganizar, agora com uma cabeça experiente, popular e malabarista das massas. O centro já não estará mais tão à deriva e a reboque dos (maus) humores do Planalto.
A direita, que nadava a braçadas e ditando as regras do debate, até com bizarrices, passará a conviver pela primeira vez com uma oposição mais articulada. O governo, dividido em crises internas, vide a briga no PSL, será forçado a se reunificar por sobrevivência.
No fundo, o bolsonarismo vai andar no terreno que lhe deu margem para se afirmar. Manterá a polarização predileta com Lula, ainda condenado e com muitos processos na fila, com foco no debate sobre corrupção, um tema que o PT tem imensas dificuldades de rebater.
Se falta autoridade no discurso ético, o petismo, entretanto, tem resultados, os dos do governo Lula, para mostrar. Uma área na qual Bolsonaro, em começo de tumultuada gestão, ainda tem pouco para apresentar.
Lula está livre, mas o debate político continua preso à polarização entre ele e Bolsonaro. Sem nenhuma ameaça, a curto prazo, de ser rompida.