Se existia alguma coluna que ainda sustentava qualquer pedra de legitimidade no discurso da intervenção no PSB, esta ruiu hoje. A carta pública do professor Rubens Freire, histórico construtor do projeto socialista na Paraíba, desmonta as já tímidas e coradas tentativas de justificativa democrática para o ato cartorial, até agora inexplicado e cuja base de autenticidade tem sido amplamente questionada.
Freire pontua, politizada e contundentemente, cada vazio na trauma de bastidores que culminou com a instituição de uma comissão interventora para alçar, de repente, o ex-governador Ricardo Coutinho ao comando de uma legenda que sempre exerceu suprema liderança e onde tinha, da boca uníssona de todos, garantia e apelo para ser candidato a prefeito de João Pessoa quando 2020 chegar. Sem a menor contestação.
Quem degusta na íntegra, e avalia de forma ponderada o conteúdo, chega a irrefutável conclusão: a carta raspa o que ainda restou de verniz de discurso democrático e ideológico no partido. É um tiro que fere de morte o que agora um fundador e cabeça pensante do partido chama, com convicção histórica, de “golpe”. É sob o signo desse conceito que o PSB seguirá adiante. Um caminho que um decepcionado Rubens Freire – o mais novo desfiliado – rejeitou compactuar.
Confira o texto:
Saudações Comp@s Socialistas.
Dirijo-me diretamente a vcs por consideração e respeito e por saber do apreço e carinho que têm por mim. E por achar que tenho obrigação de manifestar com a maior clareza que possa colocar em uma carta (não sou lá bom em redação) as minhas opiniões sobre os acontecimentos em curso no PSB da Paraíba.
Faço também por estar me sentindo um idiota e confesso, para vcs, que apesar de o ser é uma sensação que me desagrada bastante. E me desagrada mais ainda, quando percebo que há um esforço para demonstrar que sou um idiota.
Por (de)formação intelectual quando tento encontrar explicações para acontecimentos/eventos/fenômen
Entretanto observo que isto é pouco quando usamos com bastante intensidade a “empulhação” para provar uma hipótese. E discursos que não guardam nexo com o real, pois são fundamentados em expressões tais como: “já sabia”, “sempre foi assim”, “é algo para além da sua compreensão”, “fui eu que fiz”, “na política é assim”, “se fosse hoje, seria diferente”; “a verdade tem que ser dita(e não é dita)”, “é evidente(quando não é)” e segue por aí.
Bem, as minhas avaliações estão fundamentadas em correspondências públicas (algumas postadas no nosso grupo); notícias de fontes fidedignas e confirmadas, conversas privadas.
Recompondo um pouco.
Obtive as primeiras informações sobre processo no dia 16 de agosto de 2019, por volta das 11h da manhã.
Aguardei durante quase uma semana o desenrolar dos fatos. Nesse tempo acompanhei um debate inútil, pela imprensa, pois nada esclarecia nem explicitava possíveis divergências entre nós. Apenas gerava mais confusão e dúvidas. E postei, na nossa lista, algumas mensagens em tom brincalhão ou jocoso (sou assim) com destaque para Gildimar por razões, eu acredito, que vocês sabem.
Passado este prazo tomei a iniciativa de escrever diretamente para o Presidente Carlos Siqueira e para Ricardo Coutinho procurando inteirar-me do que ocorria, colocando minhas preocupações, solicitando explicações e indagando sobre os procedimentos formais que seriam adotados. As explicações não me foram satisfatórias (até hoje não sei o conteúdo da carta de renuncia coletiva nem quem renunciou). Apenas a informação evasiva que teria sido a renúncia de 51% do Diretório e que este “diretório esmaecido” seria, de acordo com o estatuto partidário, substituído por uma comissão provisório. Atrevi-me, em carta publicada no nosso grupo, a sugerir uma possível composição da Comissão buscando algo passível de aceitação amplamente majoritária. Minha sugestão não foi levada em conta, nem de longe.
Bem, em um ato autocrático e em uma tentativa evidente de criar constrangimento em vários companheiros e companheiras o Presidente Carlos Siqueira nomeia uma Comissão Provisória sem consultar boa parte de seus possíveis integrantes. Mas, e quem são ou quais foram estes não consultados: João Azevedo, Governador da Paraiba, Veneziano do Rego, Senador da República, Edvaldo Rosas, ex-presidente para uns e presidente deposto para outros e Valquíria de Souza, a nossa querida Valquíria Alencar que dispensa apresentações.
Passo, agora, a avaliar e comentar os fatos. Fatos que têm como elemento detonador: a renuncia coletiva de uma maioria (não comprovada até agora) do Diretório Estadual do PSB. Renuncia esta tramada e realizada evitando toda e qualquer transparência.
O Processo, ao se tornar público, passou a alimentar especulações, comentários, disse-me-disse. E algumas narrativas foram sendo estabelecidas em torno dele. Narrativas construídas em torno de aspectos apresentados em seguida e sobre os quais tecerei os meus comentários:
Sua total legalidade e legitimidade. Falso. A dissolução do Diretório foi tomada sem a mínima averiguação dos fatos pela Direção Nacional do Partido e sem a corroboração da veracidade da lista dos renunciantes e de suas motivações. Aliás, o comportamento do Presidente em todo o processo foi péssimo. Tendencioso, atribulado, desequilibrado. Não procurou averiguar nada. Aceitou a primeira versão e a partir daí iniciou um conjunto de ações autoritárias e anti-democráticas. Profundamente impróprias para um partido político socialista.
Que Edvaldo Rosas ao assumir uma secretaria de governo deveria se afastar da presidência do partido. Falso. Não há um único ponto do Estatuto que estabelece tal obrigação. Então, um possível debate sobre a oportunidade e conveniência do afastamento de Edvaldo da presidência deveria ser tratado em pauta do Diretório Estadual e lá ser decidido sobre isto;
Que a saída de Edvaldo seria necessária par assim permitir um “arejamento” do partido. Falso. É mais do que sabido, no nosso meio, que tudo que Edvaldo fez ou encaminhou durante todo o seu tempo de presidente do Partido sempre foi com o conhecimento e anuência de Ricardo. Portanto, se havia ou há falta de ar no Partido é porque Ricardo o quis assim;
Ricardo seria detentor, “ab initio” de direitos inalienáveis, entre os quais o de ser presidente do partido. Falso. Há um estatuto partidário. Este estatuto é o “contrato social’ estabelecido entre nós integrantes do partido. E sendo de um partido socialista não deve, sob hipótese alguma, se assemelhar ao “paco social” da democracia burguesa sob pena de comprometer o objetivo e a existência do Partido. O nosso pacto é para ser seguido. A quebra dele significa a quebra de relações de confiança entre companheiros e companheiras (“cum panis”). E qual seria o procedimento a ser adotado? Em uma reunião do Diretório Estadual, convocada para tal finalidade, pela presidência ou pela maioria dos seus integrantes, seria pautada as mudanças que tantos ou muitos ou todos desejavam/desejam e estas mudanças decididas por maioria de votos;
Que tais direitos foram obtidos pela luta na construção do partido e por ter (aqui o ponto forte na argumentação): nas últimas eleições abdicado de ser senador da republica para garantir a eleições de todos e todas inclusive de companheiros e companheiras inexpressivos eleitoralmente com destaque para João Azevedo. Falso. Ora! Convenhamos. Ricardo optou (inclusive contra a minha avaliação: fiquei de língua seca defendendo que ele devia ser candidato ao senado por que necessitávamos de intervenção qualificada no cenário nacional e que a questão Paraíba seria resolvida de outra forma) em não ser candidato. E o fez a partir de uma estratégia: esperava garantir a eleição de João Azevedo e preservar sua influência no governo. Passou agora a demonstrar arrependimento.
A construção do nosso projeto político é uma construção coletiva. E, portanto, com a colaboração e empenho de companheiros e companheiras, evidentemente com seus limites e capacidades mas, o mais importante, com honestidade e dedicação.
Que discordância “a priori” sobre tais direitos se constituiria em prova inconteste de “ingratidão” (esta foi a que eu mais gostei). A partir daí ficou estabelecido um grupo encarregado de medir o tamanho da gratidão ou ingratidão de cada um e cada uma. Nem verdadeiro nem falso. Apenas apolítico e ridículo.
Que a carta encaminhada por João Azevedo e outros e outras não descrevia a verdade além de ter uma redação pobre. Inútil. A carta está diante de todos e todas para ser lida, concordada, discordada e, mais importante, ser corroborada ou não.
Continuamos sem o documento da renúncia coletiva. E agora, não resisti: uma ilação; começo a duvidar da veracidade dele.
Poderia continuar fazendo outras observações, mas estas já são mais do que suficientes para que eu possa construir meu juízo sobre o processo e meu posicionamento.
O Processo foi péssimo, conduzido de forma imprópria pela Presidência Nacional do Partido, com sintomas de golpe e intervencionismo. Não concordo com isto. Por decorrência estou:
Renunciando ao cargo de Terceiro Vice Presidente do Diretório Municipal do PSB de João Pessoa;
Renunciando à participação no referido diretório
E solicitando a minha desfiliação do PSB
Em João Pessoa, 23 de setembro de 2019
Rubens Freire Ribeiro