De bobo e burro Sergio Moro não tem nada, ou não teria saído do anonimato de uma vara da Justiça Federal em Curitiba para a cena nacional como a grande estrela da operação que desmontou o esquema de corrupção na Petrobras e fez a casa de Lula cair. Portanto, requer prudência a avaliação recorrente de que o ministro da Justiça estaria se submetendo inocente e inutilmente a humilhações impostas pelo presidente Bolsonaro.
Cobra-se de Moro uma reação enérgica, que peça demissão ou ao menos responda ao chefe que lhe solapa a autoridade. É possível que estejam corretas as suposições de que o ex-juiz tenha se arrependido de ter trocado o certo pelo duvidoso, mas está feito e não lhe resta opção a não ser bancar o jogo e seguir adiante.
Pelo jeito, ele escolheu atuar conforme os ensinamentos de A Arte da Guerra, usando a força do inimigo para derrotá-lo sem lutar. No popular brasileiro, dando corda para o adversário se enforcar. Isso se o plano do ministro da Justiça chegar a algum lugar. Nesta altura Moro não iria a parte alguma demitindo-se ou exigindo um respeito que Bolsonaro não tem nem se dispõe a dar a ninguém de fora de seu círculo familiar e/ou bajulador.
A porta aberta pelo governador João Doria para que Sergio Moro integre seu secretariado soa a armadilha semelhante à qual o então juiz foi atraído uma vez e onde provavelmente não esteja disposto a cair de novo. Nessa hipótese estaria também submetido aos ditames eleitorais de outrem. Melhor observar o panorama da ponte onde está e dali fazer seus lances.
Com sutileza e atirando em alvos certeiros. O ministro o fez, por exemplo, ao explicitar a condição de mãos amarradas com o corte de mais de 30% na previsão orçamentária para sua Pasta em 2020. Moro escreveu a Paulo Guedes que, diante da restrição, não poderá fazer frente a ações em “segurança, cidadania e justiça”. Ou seja, tudo aquilo de que cuida o Ministério da Justiça. Deu outra alfinetada ao visitar, fora da agenda e aparentemente sem motivo, a sede da Polícia Federal no Rio, centro de um dos conflitos de Bolsonaro com ele, a partir do qual o presidente ameaçou demitir o diretor-geral da PF, a quem, depois disso, Moro fez elogios públicos e ainda disse que o delegado posto ali por ele não sai.
Naturalmente recebeu aval do presidente para tanto, pois essa história de carta branca e ministros indemissíveis não existe em governo algum. Bolsonaro também faz seus lances na coxia do palco onde exibe suas estridências. Diz que não liga para pesquisas, mas certamente não passou batido pela última, que registra uma desaprovação acima dos 50%, enquanto Moro e a Lava-Jato se mantêm no patamar de maioria em termos de aprovação.
O presidente é obviamente amalucado, mas não é cego nem surdo e, quando lhe interessa, põe o pé no freio. Bem como Moro acelera na velocidade que lhe é conveniente. E assim seguem os dois num vaivém que, se não pode ser comparado ao xadrez, assemelha-se a um jogo de gato e rato em que se confundem e se alternam forças e vantagens de caça e caçador.
Publicado em VEJA de 4 de setembro de 2019, edição nº 2650
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