A proposta do Senado desidratou o projeto à vista e reidratou a prazo. E um prazo duvidoso. Portanto, o número vistoso que parece tão próximo do trilhão sonhado pelo ministro Paulo Guedes pode não se confirmar. Só ocorrerá se forem aprovadas as reonerações de alguns setores hoje isentos. E isso terá que passar pela Câmara que, no caso do agronegócio, já derrubou uma vez. A retirada do BPC da Constituição aumenta o risco de judicialização.
O texto do relatório usa argumentos fortes para defender o fim dessas isenções. “Não temos clareza sobre por que faculdades destinadas à elite da elite, hospitais que pagam salários de seis dígitos, ou bem-sucedidos produtores rurais não devam pagar INSS dos seus funcionários. A lógica é simples, se eles não pagam, alguém está pagando.” O que as entidades de ensino argumentam é que isso se reverte para a população mais pobre, porque eles têm que dar bolsa. Os exportadores do agronegócio dizem que não se pode exportar imposto. E até agora têm convencido os parlamentares quando essa proposta aparece.
O presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Eloi Olenike, prevê aumento de carga tributária se o governo elevar a arrecadação com o INSS em R$ 155 bilhões em 10 anos.
— Se tiver aumento real de arrecadação do INSS é óbvio que a carga tributária vai aumentar. É uma medida que vai na contramão da redução da carga prevista pelo governo — afirmou. Além disso, lembra que o Brasil está para discutir uma reforma tributária.
O relatório do Senado reduziu de 20 para 15 anos o tempo mínimo de contribuição de quem ainda não entrou no mercado de trabalho. Na tramitação da Câmara havia sido reduzido para quem já está no mercado de trabalho. O próprio texto mostra a contradição dessa decisão. “A idade mediana da população vai aumentar em 13 anos até 2050. O avanço será um dos maiores do mundo segundo a ONU. A título de comparação, será de somente 4 anos nos Estados Unidos e 8 anos na Argentina”. Ou seja, quem entrar no mercado de trabalho no ano que vem, por exemplo, e vai se aposentar só depois de 2050 — quando o Brasil terá aumentado tanto a expectativa de vida — ainda assim terá que contribuir apenas 15 anos.
O problema de retirar da PEC o critério de renda para a concessão do BPC é que aumenta o risco de continuarem as decisões judiciais com valores maiores. Pelo texto da Câmara, é considerado miserável quem tem apenas um quarto de salário mínimo como renda familiar per capita. O custo da mudança, segundo o Senado, é “inferior a R$ 25 bilhões”.
Outra desidratação foi a mudança na pensão por morte. A proposta era de ela ser 60% do valor do benefício do cônjuge falecido, acrescido de 10% por filho menor de idade. O Senado passou para 20%. Com dois filhos, portanto, chega-se a 100%. Isso parece justo para uma viúva ou um viúvo pobre. Mas o verdadeiramente pobre nem tem esse direito porque o BPC não deixa pensão. O problema são os altos benefícios. Pensão por morte, diz o texto do relatório, nos dois regimes, custam R$ 150 bilhões e crescem 4% acima da inflação. Na Alemanha, o cônjuge recebe 30%, no Canadá, 40%.
O que parecia ser um grande avanço, que foi a inclusão dos estados e municípios, também dependerá da Câmara, porque está na PEC paralela. Além disso, é só autorizativo. Exigirá a aprovação de um projeto de lei em cada assembleia. É mais fácil aprovar do que uma emenda, mas ainda precisará de muito esforço legislativo. O governo nada reclamou das mudanças. Está torcendo para que não haja mais desidratações no relatório durante a discussão no Senado.
O Globo