Tristes trópicos (por Dorrit Harazim) – Heron Cid
Bastidores

Tristes trópicos (por Dorrit Harazim)

25 de agosto de 2019 às 18h00 Por Heron Cid

Mesmo não estando mais em janeiro de 1822, vale pegar carona em D. Pedro I para registrar o momento atual, tão decisivo para o futuro do Brasil. É para o bem de todos e informação geral da nação — sobretudo dos habitantes palacianos em Brasília — que transcrevemos abaixo um trecho do livro-choque “A Terra inabitável: Uma história do futuro”, de David Wallace-Wells. Best-seller nos Estados Unidos e recém-lançado no Brasil (Cia. das Letras), a obra é solidamente referenciada: às 281 páginas de texto seguem-se outras 77 só de notas e fontes bibliográficas.

O trecho pinçado é de compreensão universal, mesmo para quem é avesso a leituras sobre a questão ambiental:

“[…]Quando uma árvore morre — por processos naturais, incêndio, ou ação humana —libera na atmosfera o carbono armazenado, às vezes por séculos. Nesse sentido, ela é como um carvão. E é por isso que o efeito dos incêndios florestais sobre as emissões é um dos ciclos de retroalimentação climáticos mais temidos — o medo de que as florestas do mundo, normalmente sumidouros de carbono, se tornem fontes de carbono, liberando todo esse gás armazenado… E mais incêndios significam mais aquecimento, que significa mais incêndios. Simples assim. Na Califórnia, um único incêndio florestal pode eliminar por completo os ganhos de emissões conquistados no mesmo ano graças a todas as políticas ambientais agressivas promovidas pelo estado.

[…] Hoje, as árvores da Amazônia ficam com um quarto de todo o carbono absorvido por ano pelas florestas do planeta. Mas em 2018, o presidente eleito Jair Bolsonaro prometeu abrir a selva tropical para o desenvolvimento — ou seja, para o desflorestamento. Quanto estrago uma só pessoa consegue causar ao planeta? Um grupo de cientistas brasileiros estimou que entre 2021 e 2030 esse desflorestamento liberaria o equivalente a 13,12 gigatoneladas de carbono. No ano passado, os Estados Unidos emitiram cerca de 5 gigatoneladas. Isso significa que essa política, sozinha, teria o dobro ou o triplo do impacto de carbono anual de toda a economia americana, com todos os seus aviões, automóveis, usinas a carvão. Ninguém emite mais carbono do que a China, o país foi responsável por despejar 9,1 gigatoneladas no ar em 2017. Isso quer dizer que a política de Bolsonaro equivale a acrescentar, mesmo que apenas por um ano, uma segunda China inteira ao problema do combustível fóssil mundial — sem contar os Estados Unidos.[…]”.

As queimadas amazônicas que esta semana colocaram o Brasil no epicentro do caos climático ainda não haviam ocorrido quando Wallace-Wells publicou o seu catálogo de transformações à nossa espreita. Mas em entrevista recente já elencara Bolsonaro e Donald Trump como representantes de uma “nova política que prega a inação ambiental”. Eles formam uma espécie de dupla sertaneja daninha para a terra, a água, o ar, a vida. E confirmam o adágio político convencional de que defesa do meio ambiente não dá voto, mesmo de quem professa ter ouvido fervoroso à causa.

Tome-se o exemplo da atual corrida democrata à sucessão de Trump em 2020. Da plêiade inicial de 20 candidatos cujas biografias, origens, raça, orientação sexual e plataformas não poderiam ser mais variadas, apenas um — Jay Inslee — tinha a mudança climática como prioridade número 1, o filtro essencial para a economia, a saúde pública, a segurança nacional, tudo. Esta semana, Inslee, que é governador do Estado de Washington, desistiu da disputa. Por falta de interesse de financiadores, de eleitores e da mídia em focar na atualíssima agenda ambiental do candidato. Isso, num partido que diariamente denuncia o desmonte ambiental colocado em marcha pelo governo Trump.

Nenhum dos poderosos do G-7 que este fim de semana se reúnem em Biarritz foi eleito por suas preocupações e propostas ambientais. Eles foram sendo catequizados à ação pela força das evidências, e para não perder a sua conexão com o coletivo humano. Exceto Trump, é claro. O “Washington Post” definiu o encontro das sete maiores potencias econômicas democráticas como “uma reunião anual cuja principal meta é evitar uma explosão em família” — leia-se, de Trump, o estranho no ninho que acaba de romper nova fronteira de irracionalidade em sua guerra comercial com a China.

Dadas as sandices e aberrações de alta periculosidade proferidas sobre nossas queimadas por membros do governo Bolsonaro, a começar pelo próprio presidente, é um alívio o Brasil estar a um oceano de distância do que se discutirá em Biarritz. Mas é nossa a responsabilidade pelo estado de indigência ambiental a que o Brasil desceu. Do país inteiro — de quem vota e de quem não vota. Ou de quem só vota.

Tristes trópicos em chamas.

O Globo

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