As imagens da Amazônia em chamas estão queimando o filme do Brasil no exterior. Com palavras e ações, o governo de Jair Bolsonaro estimulou o avanço dos desmatadores sobre a floresta. Agora o país inteiro está na fogueira, sob risco de sofrer um boicote internacional.
A semana terminou com protestos em embaixadas, críticas de líderes do G7 e manchetes negativas nos principais jornais do mundo. Nossa reputação sofre o maior desastre em 50 anos, definiu o embaixador Rubens Ricupero, ministro do Meio Ambiente no governo Itamar.
É um caso único de haraquiri diplomático. Em menos de oito meses, Bolsonaro conseguiu unir a comunidade científica, os ambientalistas e a opinião pública internacional contra o governo que dirige.
Depois de hostilizar doadores do Fundo Amazônia e tentar culpar as ONGs pelos incêndios, o presidente se refugiou no patriotismo para rebater líderes estrangeiros. Na quinta-feira, ele acusou o francês Emmanuel Macron de expressar uma “mentalidade colonialista” ao condenar a devastação da floresta.
O tom conspiratório foi endossado pela ala militar do governo. O general Villas Bôas falou em “ataque à soberania brasileira”, e o general Augusto Heleno reciclou a tese de que haveria um “movimento mundial” para “frear nosso inevitável crescimento”. Esta é uma conversa antiga, usada pela ditadura para justificar a ocupação predatória da Amazônia.
Além de soar antiquado, o discurso nacionalista não combina com as ações do Planalto. Há menos de um mês, Bolsonaro disse que deseja abrir as terras indígenas para mineradoras americanas. “Por isso eu quero uma pessoa de confiança minha na embaixada”, acrescentou, referindo-se à indicação do filho Eduardo.
Em outro sincericídio, o Zero Três passou um atestado de inadequação à diplomacia ao divulgar um vídeo que chama o presidente da França de “idiota”. Seria melhor entregar a embaixada a Neymar, que tuitou um anúncio de relógio enquanto jogadores europeus se mobilizavam contra as queimadas.
A ofensiva do bolsonarismo contra as terras indígenas pode provocar a próxima crise na reputação do país. Aos 89 anos, o cacique Raoni tem rodado a Europa para denunciar a pressão de garimpeiros e desmatadores sobre os povos tradicionais. Na sexta-feira, ele acusou o presidente de incentivar a destruição da floresta.
“É por isso que os garimpeiros e madeireiros estão colocando fogo”, disse. Raoni se reuniu até com o Papa, mas Bolsonaro se recusa a recebê-lo, alegando que ele “não representa o Brasil”.
Por aqui, o líder indígena Davi Kopenawa tem alertado para o aumento das invasões em território ianomâmi. “O garimpeiro continua porque o Bolsonaro está apoiando ele. Todo mundo sabe”, disse, na sexta-feira. “O garimpo não vai trazer benefício ao povo ianomâmi. Vai trazer doença, cachaça, pistola para matar”, afirmou.
Em debate no Instituto Moreira Salles, o xamã se disse “revoltado” com o presidente. “Ele só sabe mentir, enganar. Está dizendo que a terra é grande, é rica e tem pouco índio. Ele não me engana, não”, avisou.