Enfim, de manhã acordei com essa leveza n’alma: não escreverei o nome dele. Tão animada com minha decisão, que resolvi fazer ginástica logo cedo. Cuidar da saúde: muito melhor que me indignar com a última declaração do excelentíssimo. Saindo de casa, porém, saltitante de otimismo, percebo, pasma: uma barata tonta, manca, arrastando-se no tapete da sala. Tirá-la dali, naquele momento, indo para a academia, seria moralmente devastador. Assim, fingi que não vi e fui embora — alguém mais iria ver e dar um jeito.
Fiz ginástica torturada pela culpa. Deixei uma barata tonta zanzando pelo meu tapete. A cada minuto, mais impregnada. Em minha imaginação microscópica, as fibras de tapeçaria eram contaminadas pelas impurezas dos cabelinhos nas pernas da barata. O tapete jamais seria o mesmo. Um rastro invisível estaria ali, permanentemente, para me lembrar do fato. Germes viveriam ali para sempre. Pensei em desistir de tudo. Sair da academia e ir para um boteco, encher a cara. Voltar a fumar. Uma barata tonta no meu tapete e eu não fiz nada.
Quando voltei para casa, vi, num misto de terror e alívio, que a barata continuava lá. Terror, pois o problema permanecia intacto, alívio, pois eu poderia fazer algo a respeito. E, fazendo, desconfiei que o destino estava de simbolismo comigo.
O Globo