Um exemplo: durante quase todo o ano passado, quando Bolsonaro surgiu como opção eleitoral competitiva, as cobranças a ele eram praticamente todas referentes à sua defesa da ditadura militar, que acabou há 34 anos, e dos preceitos autoritários vigentes no período, revogados na consolidação institucional do regime democrático. Só mais tarde, com Bolsonaro já firme como provável presidente, constataram-se a perda de tempo e o desperdício de argumentos.
Nesses primeiros seis meses de governo, a toada das críticas é a mesma, não obstante o presidente oferecer razões a mancheias para que elas sejam mais bem fundamentadas. A ausência de elaboração argumentativa e o uso de insultos são a praia de Bolsonaro. Nela, ele nada de braçada. É imbatível no quesito nível abaixo do aceitável.
Já no campo das alegações e justificativas bem colocadas, questionamentos substantivos, premissas e conclusões lógicas, teses, antíteses e sínteses irrefutáveis, o atual presidente da República não sabe nem tem interesse em navegar. Portanto, quando a ideia é contentar seus gestos, palavras e notadamente decisões, a saída eficaz é o recurso a um bom e consistente conteúdo.
“Com classe, diplomata explica real significado de missão nos EUA”
Dá trabalho, requer conhecimento, habilidade no trato das palavras e argúcia de raciocínio, mas qualifica e diferencia o antagonista. Foi justamente o que exibiu o diplomata Rubens Barbosa em artigo publicado na edição do dia 23 de julho no jornal O Estado de S. Paulo, ao discorrer sobre seu período (1999-2004) como embaixador do Brasil nos Estados Unidos.
Em meio ao ambiente de insultos vãos sobre a ideia de Bolsonaro de indicar o filho Eduardo para o posto mais importante da diplomacia mundial, sem citar a hipótese da nomeação, Barbosa chama o presidente à compostura, mostrando o que é a função e o que se exige do titular na missão de representar o país em Washington.
Segundo o embaixador, presença e interlocução constante com autoridades do Executivo, Legislativo e Judiciário americanos, empresários, acadêmicos, investidores, representantes de entidades sociais, viagens pelo país em busca de informações e mediação de contatos multilaterais são indispensáveis à “ocupação de espaço de influência a favor do Brasil”.
Nenhuma dessas atribuições consta da lista de tarefas que Bolsonaro-filho se diz apto a exercer em nome do Brasil.
Publicado em VEJA de 31 de julho de 2019, edição nº 2645