Entre os que posaram para foto com o avanço da reforma da Previdência, contam-se os efetivamente vitoriosos, como Rodrigo Maia (DEM-RJ), e os derrotados, como Jair Messias Bolsonaro.
Do outro lado da linha, ficaram as esquerdas, a negar o déficit da Previdência. Nem derrotadas conseguem estar. Trata-se de uma espécie de terraplanismo contábil, embora do mundo da Lua.
Preferiram se ausentar do lugar em que está se decidindo a história. Sofreram, note-se, uma derrota em plenário proporcionalmente superior àquela que experimentaram nas urnas em 2018. Impressiona pela alienação. Estão confundindo resistência com irrelevância. Não por falta de estímulo ao pensamento.
No dia 22 de fevereiro, nesta coluna, convidei as esquerdas a sair do “modo negação” e a entrar de forma propositiva na reforma. Afirmei, e isto nos remete ao primeiro parágrafo para avançar: “Sustento que Bolsonaro promove a reforma da Previdência apesar do seu reacionarismo, não em razão dele”.
Ora, resultado e placar consolidaram uma barreira de contenção a tentações messiânicas, o que vira um trocadilho pobre, mas o que se há de fazer? Na quarta-feira, enquanto o presidente da Câmara buscava votos, o da República prometia alguém “terrivelmente cristão” para o STF.
Maia percebeu o seu momento. Discursou após o resultado da primeira votação: “Não haverá investimento privado, mesmo com reforma tributária, mesmo com reforma previdenciária, se nós não tivermos uma democracia forte”.
Foi ainda mais explícito no recado ao atual inquilino do Palácio do Planalto: “Investidor de longo prazo não investe em país que ataca as instituições. Acho que este conflito nós temos hoje, e temos de superar”. Na mosca!
Conduzindo a reforma, sem a qual o próprio Bolsonaro beijaria a lona, o presidente da Câmara consolidou os elementos de contenção ao bolsonarismo. Milagre é efeito sem causa. O resultado escondia trabalho, que arrebanhou até votos de oposicionistas.
Nas redes sociais, não tardou para que as Górgonas do bolsonarismo repetissem o que se viu nas ruas nas duas manifestações encabeçadas pelas direitas: a hostilização a quem se fizera o fiador do texto, o que dá conta da insanidade.
Sim, senhores! Com o resultado em mãos, os bolsonaristas tentavam, por assim dizer, expropriar os feitos de Maia, atribuindo-os àquele a quem chamam “Mito” e a Paulo Guedes.
É mesmo? Não fosse o país a pagar a conta, seria o caso de fazer um desafio: deixemos, então, para a dupla Bolsonaro-Guedes o encaminhamento da reforma tributária, por exemplo. E veremos com quantos votos se fabrica uma derrota.
Reconheça-se, claro!, a Paulo Guedes o mérito de ter proposto um texto ousado, mirando o longo prazo. Mas só isso. Ocorre que o papel abriga até o assalto ao céu. A questão é saber se há condições objetivas para operá-lo.
Segundo pesquisa Datafolha, o Congresso está entre os entes menos apreciados pelos brasileiros. Merece a confiança de apenas 7% dos entrevistados. Só não é pior do que os partidos políticos: 4%. No topo, estão as Forças Armadas, o que não é novidade: 45%.
Pois é… Chega a hora de votar a reforma, e o número de tanques do Exército é irrelevante. Mas é preciso saber de quantos votos dispõe o relatório. Quem formou essa maioria?
Enquanto Maia trabalhava, Luiz Eduardo Ramos, o general da ativa (!?) que faz as vezes de coordenador político do Planalto (!?), à frente da Secretaria de Governo (!?), exaltava, em culto evangélico na Câmara, os próprios dotes, que não seriam deste mundo.
Falando na condição de ungido de Deus, apresentou-se como um misto de Salomão, Davi e José do Egito. Parafraseando Joseph Heller no livro “Só Deus Sabe” (“God Knows”), cumpre indagar se ele proporia dividir a criancinha ao meio por astúcia ou senso de justiça.
Maia evidenciou que pode reunir três quintos da Câmara ou impedir o Planalto de reunir os três quintos. Mesmo sem as esquerdas. Afastam-se, assim, as tentações messiânico-bonapartistas. Por isso, entre os vitoriosos, ele ganhou, e Bolsonaro perdeu.
Folha